Edna da Silva, inspiradora do filme |
Longa-metragem
Que Horas Ela Volta?
terá duas apresentações na próxima 3ª-feira no Sesc Campo Limpo
Nenhuma
cena do filme Que Horas Ela Volta?
foi gravada em Taboão da Serra.
Mas é
nesta cidade, no bairro Jardim Sílvio Sampaio, onde mora Zeni Maria de Jesus,
67 anos, em quem foi baseada a personagem Val, interpretada por Regina Casé.
Dirigido por Anna Muylaert, o longa-metragem representa o Brasil na disputa por
uma vaga ao Oscar 2016.
Se no
cinema a dona Zeni é a Val, na vida real a personagem Jéssica é Edna da Silva,
47 anos, filha de dona Zeni.
Sucesso
de público, Que Horas Ela Volta? já
encostou no meio milhão de espectadores. Até a manhã de ontem, 5ª-feira, o
filme havia sido assistido por 498.653 pessoas.
Na
próxima 3ª-feira dia 24, o filme será exibido em dois horários no SESC Campo
Limpo.
É a segunda presença deste filme na região. No último 4 de novembro, a
diretora Anna Muylaert veio ao bairro Campo Limpo exibir o filme e debater com
integrantes da ONG Escola de Notícias, no CITA (Centro Integrado de Todas as
Artes).
A
inspiração para o filme veio da experiência de vida de Edna da Silva.
Anna Muylaert (a 2ª agachada da esq. p/ a dir.) em debate sobre o filme no Campo Limpo, dia 4/11. |
“Eu trabalhei
muitos anos na casa da Anna [diretora do filme]. Fui babá dos filhos dela”,
explica Edna. “Eu contava minhas coisas pra Anna, e ela ficava indignada de eu
ter sido arrancada quando ainda era um bebê de perto da minha mãe. Fiquei sem
ver minha mãe até meus 17 anos; meu pai me proibia de procurá-la, pois tinha
raiva por ela ter se separado dele. A Anna sempre me dizia: ‘Um dia vou fazer
um filme contando a tua história’”.
“Vem me buscar, mãe”
Na manhã
de uma 2ª-feira em julho de 1985, o telefone toca na casa de número 84 da Rua
Samuel Wainer, Jardim Silvio Sampaio, Taboão da Serra. Do outro lado da linha,
de um telefone público em Salvador, capital da Bahia, o choro de uma menina
desesperada de saudades: “Mãe, vem me buscar; quero ir morar com a senhora”.
Regina Casé faz a personagem Val, inspirada em dona Zeni, moradora de Taboão da Serra |
Edna
tinha um ano de idade quando seus pais se separaram. “Minha mãe veio para São
Paulo trabalhar de doméstica, na intenção de voltar e me levar com ela quando
se estabilizasse no emprego”, conta. Edna ficou aos cuidados da avó Conceição,
mãe de seu pai, já falecida.
O pai, o
mascate Arlindo José da Silva, falecido há 15 anos, nunca permitia o contato de
mãe e filha. “Era a vingança dele, por conta de ter sido largado por ela. Cresci
dizendo a mim mesma: ‘Quando eu ficar
maior de idade, vou embora pra junto de minha mãe’. Eu sempre olhava para
os retratos dela, sonhando com ela. Quando ela me mandava presentes, por várias
vezes meu pai bloqueava. Aconteceu de minha mãe me mandar um brinco, ele pegar
primeiro e esconder. Uma coisa de louco”.
Durante
toda a adolescência, a garota não pôde sequer ter seus documentos pessoais. “Meu
pai escondia minha certidão de nascimento pra eu não tirar RG e carteira de trabalho.
Era o jeito dele me manter presa naquela cidade, em Vitória da Conquista sem
poder vir para São Paulo atrás da minha mãe”.
Criança cuidando de crianças
Aos 11
anos Edna arranjou emprego de babá.”A gente morava num sítio, longe. Então fui
para a cidade trabalhar. Foi meu primeiro ganha-pão. Queria juntar dinheiro
para morar com minha mãe. Com aquela idade de 11 anos eu cuidava de três
crianças. Não sei quem tomava conta de quem (risos)
– a Juliana tinha 7 anos, Pedrinho com 4 anos, e Geórgenes, com um aninho.
Trabalhei naquela casa por dois anos e pouco”.
Aos
14-15 anos, Edna teve proposta para trabalhar na capital. “Em Vitória da
Conquista, minha tia trabalhava na casa de uma família, onde havia três jovens
na faixa dos 14 aos 18 anos que estavam indo estudar em Salvador. A patroa da
minha tia precisava de uma pessoa para fazer serviços de casa, cozinhar, lavar
roupa, limpar a casa dos três filhos lá na capital. Eu escutei a conversa e me
interessei. Pensei: ‘Ôpa! Em Salvador já
estou mais próxima de São Paulo, mais perto da minha mãe!’. Minha tia não
concordou, porque eu era menor de idade, não tinha nenhum documento, e ela não
podia assumir a responsabilidade. Mas eu fiz tanto a cabeça dela, que ela
chamou meu pai pra conversar. Sei lá o que meu pai imaginou. Talvez ele tenha
pensado que eu indo para Salvador, fosse esquecer o desejo de procurar minha
mãe. Mesmo assim, ele não deu a certidão de nascimento na minha mão. Entregou
para a minha patroa e ainda recomendou: ‘Não
deixa a Edna pegar esse documento de jeito nenhum!’”.
Edna só conheceu a mãe aos 17 anos |
Conexão mãe-filha
Em
Salvador, por intermédio de parentes, Edna conseguiu o endereço da mãe em
Taboão da Serra. Começaram a trocar cartas.
Mas a
saudade não cabia nos envelopes do Correio. “A vontade de ver minha mãe era
cada vez maior. Daí descobri que ela tinha colocado telefone em casa. Consegui
o número com minhas primas”.
A
saudade transbordou.
“Saí
para a rua, desesperada, segurando na mão o pedaço de papel com o número do
telefone. Comprei muitas fichas telefônicas. Nossa, não gosto de me lembrar
dessa parte... Muito triste.
Tava me
sentindo sozinha num mundão desconhecido, horrível”, narra Edna, e prossegue:
“Grudei
no telefone: ‘Mãe. Estou de malas prontas. Vem me buscar agora’. Lembro que eu chorava muito. Minha mãe também
chorava muito. Ela falou: ‘Calma, calma.
Fica tranquila que eu vou te buscar’. Voltei no trabalho, arrumei minhas
coisas, não recebi salário, não recebi nada. Só falei pro pessoal da casa: ‘Estou indo embora’. E todo mundo: ‘Mas você não pode. Você é menor de idade.
Nem tem documentos!’. Mas eu insisti em ir embora. Eu estava tão louca...”
No final
do dia seguinte, uma das filhas da patroa levou Edna à rodoviária. A garota já
tinha traçado seu plano de fuga:
“Como eu
não conhecia nada em Salvador, resolvi ir para a rodoviária de Vitória da
Conquista, que eu já conhecia. E lá eu encontraria minha mãe, que no mesmo dia
em que eu liguei, saiu de São Paulo para se encontrar comigo. Ajustamos os tempos de viagem de cada uma,
para dar certo o encontro na rodoviária”.
Edna
saiu de Salvador às 22h da 3ª-feira. Sua mãe havia partido de São Paulo às 11h
do mesmo dia, com previsão de chegar a Vitória da Conquista às 11h do dia
seguinte.
“Cheguei
em Vitória da Conquista bem cedo. Não me lembro a hora. Mas fiquei plantada na
estação até minha mãe chegar. Quando nos encontramos, foi muito emocionante. Reconheci
minha mãe pelas fotos que eu tinha dela”, relembra.
Para se
refazer da maratona da viagem e das emoções, dona Zeni propôs à filha
descansarem até o dia seguinte. “Me desesperei: ‘Quero ir embora agora! Quero ir embora agora mesmo!’”.
Certamente
a menina tinha medo que seu pai descobrisse o encontro das duas. E botasse a
perder um projeto acalentado por 16 anos longe dos carinhos da mãe. “Viemos
para São Paulo naquela mesma hora. Foi só o tempo de o carro com que minha mãe
tinha ido para a Bahia ir na garagem fazer a limpeza, e voltamos no mesmo
ônibus”.
A vida na tela
Por
pouco tempo Edna ficou na casa da mãe em Taboão da Serra. Dona Zeni havia se
casado de novo, três filhos com o segundo marido. “Vieram os atritos com meus
irmãos. Rolou muitos ciúmes, eles não me aceitavam”.
O
primeiro emprego de Edna em São Paulo foi de copeira na casa do fotógrafo
Thomaz Farkas, dono da rede de lojas Fotoptica.
Mesmo na
função de copeira por mais de três anos, o DNA de babá falava mais alto na vida
de Edna. “Quando iam crianças na casa do seu Thomaz, eu esquecia que era
copeira. Fazia muita confusão. Me envolvia com as crianças. Um dia ele me
disse: ‘Ô, meu bem. Você não acha que
está na profissão errada? Você adora crianças. Tem de ser babá’”.
Edna
seguiu o conselho do patrão, empregou-se na casa de outra família como babá por
quatro anos e meio. Até que descobriu que o serviço de diarista rendia mais. E
foi trabalhar na casa de Anna Muylaert, que já conhecia por ser frequentadora da
família Farkas.
“Na Anna foi muito engraçado”, Edna se diverte
com a lembrança. “Outra história bacana. Ela me contratou como diarista. Só que
eu não limpava nada (risos). Brincava
o dia inteiro com o José, filho dela na época com um ano e dois meses de vida.
Um dia a Anna me chamou para conversar. Pensei: ‘Êita, vai me mandar embora...’
Ela me disse já que eu não estava limpando nada na casa, se eu queria
cuidar do José. ‘Você não limpa nada
aqui. Fica o tempo todo brincando!’. (risos) Mas eu ganhava muita grana como
diarista. Tinha clientes para todos os dias da semana; trabalhava até aos
sábados. Se ficasse como empregada mensalista, perderia dinheiro. A Anna resolveu
me pagar salário mensal igual ao valor que eu ganhava como diarista. Depois do
José, nasceu o Joaquim, e trabalhei na casa da Anna por 5 anos, de 1990 a 1994”.
Diretora de fotografia Barbara Alvarez durante filmagens do longa em Embu das Artes |
Por todo
este período Anna dizia para Edna: “Um dia eu vou escrever a tua história”.
Pelo
mundo afora, Que Horas Ela Volta?
leva o título de The Second Mother.
Edna
ainda trabalha como “segunda mãe” em casa de família. Mas fez curso de
cabeleireira e breve vai montar seu salão no Jardim Nossa Senhora de Fátima,
Embu das Artes, onde mora desde o início da década de 1990.
Sua casa
e seu bairro foram o cenário para as ações gravadas na periferia.
Serviço:
Dia 24 de novembro
(3ª-feira)
Às 18h e às 20h
Exibição
do filme
QUE HORAS ELA VOLTA?
(114
minutos)
Entrada grátis
SESC
Campo Limpo
Rua
Nossa Senhora do Bom Conselho, 120
Ao lado
da Estação Metrô Campo Limpo e do Shopping Campo Limpo
Acompanhe
a página do filme no facebook
2 comentários:
David, adorei descobrir isso, grato pela publicação.
Não me canso de lê esse seu texto, e ainda me emocione com ele.....
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