sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Idosa teve de provar que não pode torcer roupas, para Samarco restituir sua máquina de lavar

A mineradora tentou enganar dona Cenita com uma lavadora menor

David da Silva

Dona Cenita e seu Chiquinho mal tiveram tempo de agarrar os patos, as galinhas e o cachorro e correr com eles para a parte alta do quintal quando a lama chegou. Mas carregar no braço máquina de lavar roupas é impossível para uma senhora de 69 anos com osteoporose e um senhor de 71 anos com sequelas de um derrame cerebral.

Dois anos atrás, na madrugada de 6 de novembro, o motorista de caminhão aposentado Francisco Marcelino Romualdo e sua esposa Teófila Siqueira Pereira Romualdo, a Cenita, não acharam que o lamaçal fosse chegar na casa onde moram há 30 anos no bairro Morro Vermelho, em Barra Longa (MG). “A maior enchente aqui foi em 1996, mas só chegou perto da primeira coluna da casa”, relata Chiquinho. Dona Cenita não esconde a emoção ao lembrar: “Estava a maior confusão na rua, gente gritando, carro, buzina. Naquela hora Chiquinho já estava dormindo e eu, rezando”. Às 3h25 a lama entrou com seu cortejo de destruição em Barra Longa.

No bairro Morro Vermelho 20 casas foram desocupadas por medida de segurança e três, condenadas. Cenita e Chiquinho tiveram de se mudar da sua residência de cinco cômodos para uma casinha alugada pela Samarco. Problema maior era lavar roupas. A máquina de lavar foi detonada pela lamaceira.

Dona Cenita não viu outro jeito senão cobrar da Samarco o prejuízo que a lama lhe causou.

Sem força pra torcer roupas

No ano 2000 dona Cenita descobriu que sofre de osteoporose. Em 2006 Chiquinho teve um AVC (acidente vascular cerebral) e ficou com dificuldades de mexer o braço esquerdo. Não bastassem essas mazelas, a Samarco enviou uma assistente social à casa deles com uma missão perversa. “A assistente falou que a Samarco mandou eu provar que não tenho força nos braços para torcer as roupas na mão. Caso contrário a empresa não ia autorizar comprar máquina nova pra mim”, conta.

Humilhada a provar sua doença nos ossos, Cenita pediu laudo médico e entregou à assistente social. “Quando foi no dia 17 de dezembro [mais de um mês depois de perder a lavadora para a lama], a Samarco me mandou outra máquina. Mas eu não aceitei”, diz a dona-de-casa. A máquina de lavar de Cenita era de 15 quilos, e a mineradora queria lhe entregar uma máquina com capacidade para oito quilos.

O caso foi parar no Movimento dos Atingidos por Barragens e virou notícia de jornal. Um dia depois a Samarco mandou entregar a nova lavadora de roupas. “Eu achei até estranho eles trazer a máquina em plena nove horas da noite”, diz com fina ironia e emenda outra bronca:

"Não é igualzinha à antiga porque o bojo da minha era de inox. A que mandaram é bojo de plástico. Falaram que não estavam encontrando a de inox...”.

Brigas novas e antigas

Não foi a primeira vez que o casal teve de brigar por seus direitos. Quando se aposentou em outubro de 1996 como funcionário da Prefeitura de Barra Longa, Chiquinho teve somados seu tempo de servidor público municipal com o tempo em que trabalhou na roça.

Só que no ano seguinte o prefeito de Barra Longa cancelou a aposentadoria de Chiquinho, alegando que não deveriam ter sido contados o tempo de serviço na prefeitura junto com o tempo de trabalhador rural. Chiquinho entrou na Justiça, e ganhou a causa.

Mesmo assim, a sentença favorável só saiu 13 anos depois.

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