Performance da poetisa Tula Pilar na Feira do Livro em Buenos Aires - Foto: Lucas Oliveira |
É da
poetisa Tula Pilar a melhor frase sobre a temporada portenha dos saraus
paulistanos:
“Estamos
africanizando em Buenos Aires”, escreveu ela com melanínica convicção no seu
Facebook, sobre o período de abril a maio últimos, quando poetas da periferia
da Grande São Paulo participaram da 40ª Feira Internacional do Livro na capital
da Argentina.
Daí cê
me pergunta: “Tem negros lá, não?”
Tinha.
Mas faz
tanto tempo... Em 1778 o censo apontou 54% de negros no povo argentino em algumas
regiões do país. Em 1887 a população negra argentina tinha caído para míseros
1,8%.
Daí,
numa espécie de remorso governamental, pararam de contar os argentinos negros. Só
retomaram a contagem em 2010.
Hoje os
afro-argentinos são apenas 0,4% dos habitantes – não somam 150 mil pessoas;
149.493 pra ser exato.
Negros
da Argentina morreram na linha de tiro das guerras que o país moveu no fim do
século XIX contra espanhóis, ingleses e paraguaios. Buchas de canhão, como se
diz. A febre-amarela fez o resto do serviço.
Por
isto foi sintomático o jornal El Clarín,
diário de maior tiragem da Argentina, ter estampado a foto de um negro na
reportagem da intervenção poética dos sarausistas periféricos no stand da Cidade de São Paulo, convidada
de honra do evento literário.
Stand da cidade de São Paulo recebeu bom público em todas as noites de saraus - Foto: Rogério Gonzaga |
Fervendo na Feira
A
fervura dos declamadores de poemas transformou o stand paulistano num caldeirão de 144 metros quadrados. “A cidade convidada de honra proporcionou uma
experiência imperdível”, anotou logo no início da sua matéria o jornalista
Guido Carelli Lynch (lá jornalista é periodista,
e repórter, reportero)
Trecho da reportagem do maior jornal da Argentina |
Mas,
teve gente que fez beicinho. Stands
vizinhos pediram para baixar o volume do som no espaço da Grande Sampa. Foi uma
“decisión antipática”, concordou o
repórter no seu texto publicado. Entonces,
os poetas passaram a declamar mais alto. “Não era uma apresentação, era um
sarau”, arremata o amável reportero.
Na
duração da Feira do Livro, de 22 de abril a 12 de maio, Buenos Aires recebeu
muitos paulistas ilustres. Vários artistas da TV Globo. Grandes nomes da música
paulistana: Tulipa Ruiz, Arnaldo Antunes, Criollo.
Mas
só o povo dos saraus poéticos foi louvado pelo maior jornal argentino – a página
44 toda, e avançou mais uma coluna inteira, do topo ao rodapé, da página 45.
Isto
acontece porque há, nos saraus, muito do modo africano de viver. A fala
expansiva. Os gestos eloquentes. O riso largo transpirando energia.
O
escritor norte-americano Henry Miller, filho de alemães, sintetizou sobre o
povo negro um parágrafo que encaixa direitinho naquilo que vemos e vivemos nos
saraus de boteco. Dá até pra pendurar na parede da memória do finado Bar do
Binho:
“É um privilégio fazer parte de uma multidão de negros. A atmosfera está sempre sobrecarregada. A intervalos, soam gargalhadas estrepitosas, ejaculações misteriosas, acessos autênticos de riso como nunca se ouviram de gargantas de gente branca. Os brancos carecem de espontaneidade. Quando riem, raramente o riso vem das entranhas. O negro ri tão facilmente quanto respira”. (H. Miller – Plexus)
Talvez
seja a perda desse DNA que tornou a Argentina meio soturna, adernando para o
melancólico.
Apontamentos sobre a estação
portenha
Andei
colhendo algumas impressões que a viagem causou em colegas de aventura poética
nas margens do Rio de La Plata.
Mara Esteves
Terça-feira,
6 de maio
Eita,
que estamos de volta!
Devido
à intensidade dos dias passados em Buenos Aires, junto com o bando de
andorinhas do Sarau do Binho, demorei alguns dias para refletir sobre tudo o
que marcou nossa passagem por terras porteñas.
Intenso,
assim defino o que foi participar dessa empreitada à la Donde Miras, e fazer
parte dessa linda invasão poética das periferias de São Paulo à Argentina.
Foi
lindo e emocionante ver e participar desse momento histórico para todos nós,
como para os hermanos que nos receberam tão bem. Acredito que não irão esquecer
de nós tão fácil assim, rs. E que as parcerias só estejam começando!
Conviver
24 horas com um grande número de pessoas e cheias de energia não é tarefa fácil.
Porém ninguém disse que seria. Exige preparação e reflexão para compreender que
todos estavam no mesmo barco, navegando na mesma direção, mas que somos
heterogêneos e portadores dessa multiplicidade cultural.
Por
isso digo a quem quiser ouvir: Agradeço por todo o aprendizado e troca que tive
com cada um que esteve presente nessa caminhada. A cada dia sinto necessidade
de melhorar, de evoluir como ser, e fico feliz por poder aprender com vocês
parceiros de caminhadas, de sonhos e de lutas.
Agradeço
de todo o coração à aqueles que tiveram paciência em lidar com a minha
ansiedade (coisa em mim que preciso melhorar e muito), minha insegurança e
minha inexperiência em caminhar em bando. E de todo o coração a nossa querida e
amada Suzi Soares e Binho, tão gentis e generosos com todos. Sou grata e
abençoada por tê-los por perto nessa vida!
Dora Nascimento
Segunda-feira,
5 de maio
Somamos
alegria, entusiasmo.
Multiplicamos
sorrisos, abraços, e poesia.
Dividimos
vinho, cerveja, pão, e macarrão.
Estreitamos
laços, andamos, rimos.
O
calor humano esquentou,
E a
poesia ecoou na Feira.
Eita
barulhinho bom.
Muitos
momentos vamos repassar na memória...
Carinho
muito grande por todos vocês.
Foi
contagiante estar junto com toda essa moçada. .
Suzi Soares
5
de maio
Estamos
de volta! Estou feliz e com a sensação de dever muito bem cumprido. Agradeço a
todos que compartilharam esta semana, foi maravilhoso ver cada um solto pelas
ruas de Buenos Aires praticando seu "Portunhol" , que como disse
Sarau do Binho, é a língua do futuro. Os saraus foram lindos e o que fica de
mais importante nesta viagem foram o encontros e a troca. O encontros com os
artistas de outros saraus de SP, com os artistas e hermanos argentinos, com a
outra língua, que é quase nossa, encontros de irmãs que não se viam há muito
tempo, e também do choripán com chimichurri (mistura perfeita ). Gracias a la
vida, gracias a todos!
Camila Brasil
Segunda-feira, 5 de maio
De volta a São Paulo, depois de uma iluminada e maravilhosa semana em Buenos Aires com o Sarau do Binho. Agradeço imensamente por todo o aprendizado e pela troca. Gratidão a Buenos Aires por ter nos recebido tão bem. Gratidão Suzi Soares, por todo o Amor e dedicação. Sou muito grata ao universo pela oportunidade de ser parte de vocês. Parabéns a todos os saraus, cada um com sua singularidade. Muito feliz!
Flávia D'Álima
5
de maio
O
mundo aí que a gente vive é cheio de coisas toscas, e chatas, e desigualdades,
e momentos e situações infelizes. Se for pra listar, vixe maria! Vai faltar
espaço aqui nesse quadrado, e se bobear muita gente corta os pulsos... Mas
também é um lugar com gente linda, que une as pessoas, independente dos ideais,
posições políticas e chatices de cada um. Gente que agrega e vai aumentando a
família, vai causando alvoroço onde quer que chegue, vai plantando gentilezas e
esperança no coração da gente. Essa semana isso ficou claro, e é bonito de ver,
e poder estar junto, e é nisso que acredito, no estar junto, porque ninguém
nessa vida faz nada, nada sozinho.
Suzi
sua danada, Binho querido, gratidão pela semana, pela viagem, por tudo que
vivemos em terras argentinas e tudo mais. Dias felizes, viu? E viva! Viva
aquela esquina do boteco que aproximou tanta gente. Que deu asas a tantas
andorinhas.
Anne Alves
Domingo, 8 de junho
Precisei ir até Buenos Aires pra perceber que encontros como esses são de extrema importância. Lá aconteceu a união das quebradas, dos coletivos, que não acontece aqui. Onde a distância é bem menor.
Helena Silvestre
Domingo,
4 de maio
Primeiro
que tudo, queria agradecer a vida, que por diferentes estradas nos levou a um
bar no Campo Limpo e permitiu que pudéssemos cruzar as estradas de muitos e
muitas e nos engrandecer.
Queria,
depois, agradecer a duas pessoas que, por diferentes motivos nos marcam a
referência de gente, de humanos de sonhadores, de compartilhadores de futuro: À
Suzi Soares e ao Binho, um brinde.
Alguns
me conhecem e sabem de minhas posições políticas em relação à vida; por elas, o
Sarau do Binho sempre foi um lugar onde me senti em casa, não porque todos
pensam como eu, não porque todos pensam igual, porque neste espaço sempre
pudemos pensar diferente e mesmo assim ser companheir@s. A honestidade e a
franqueza são revolucionárias também.
Queria
agradecer a todos e todas que dividiram este momento de ir a lugares estranhos
falar de quem somos, que nos ajudamos, que nos emprestamos dinheiro, que nos
indicamos lojinhas, pois víamos nelas a cara de algum amigo, de algum poeta.
Queria
agradecer à feira do livro que, por sua quadradice, nos reafirmou a certeza de
que nossa arte e nossa cultura não cabem nos esquemas dos stands para venda.
Nossa arte não cabe nos stands, não cabe na bolsa de valores, não cabe nos
esquemas mesmo.
Voltamos
mais inteiros, mais engrandecidos pelas histórias compartidas e agora, nos
fortalecemos para seguir com uma cultura e uma arte de libertação, em São
Paulo, em Buenos Aires, em Macondo ou nos sonhos de Macunaíma.
Somos
favela em qualquer lugar, somos trabalhadores em qualquer lugar, e a leva de
funileiros poetas, gráficos poetas, camelôs poetas e etc, se engrandece e
aprofunda sua identidade como arte de quebra dos esquemas mofados da literatura
de balcão.
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