Enquanto
sepulta os corpos, o coveiro Tico tem ideias para novas estórias. Foto: Karin
Salomão
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Para o
coveiro Francisco Pinto de Campos Neto, o Tico, já vai longe a infância feliz
vivida no Jardim Umarizal onde ele nasceu, na região do Campo Limpo, zona sul
da capital de São Paulo, no limite com o município de Taboão da Serra. Mas,
graças ao Sarau do Binho, também surgido na mesma região, Tico, aos 55 anos,
vive um feliz recomeço da sua existência atribulada. Ele prepara o seu terceiro
livro, desta vez um romance – os dois anteriores foram de contos.
“Sem
parecer pretensioso, quero que meu próximo livro chegue para arrebentar. Meu
plano é terminá-lo em um ano”, disse o coveiro-escritor.
Ele
esteve internado por cerca de 20 vezes em clínicas para viciados em cocaína e
álcool. Mas a crueldade dos tratamentos sempre o impelia a fugas. Até que se
libertou das drogas pelo seu próprio esforço.
Em maio
de 2013, Tico, conhecido como o “Charles Bukowski do Campo Limpo”, ganhou o
Prêmio Carrano da luta contra a internação em manicômios.
Francisco
foi resgatado para a literatura por Robinson Padial,
criador do Sarau do Binho. Foto: Fernando Pastorelli |
Salvo pelo Sarau
No ano
2012, pouco antes de se tornar coveiro, Tico procurou o Sarau do Binho, na
época realizado no Bar do Binho, no bairro Campo Limpo. O boteco estava nas
últimas. Ferido de morte pela burocracia da prefeitura paulistana, o bar foi
definitivamente fechado em junho daquele ano. Não sem antes salvar uma vida
para a literatura brasileira.
Além do
apoio cultural, Binho deu abrigo e comida a Tico, que na ocasião morava nas
ruas.
O
primeiro livro de Tico – “Elas, etc” – saiu em 2006, patrocinado por um amigo. “Ninguém
leu”, conta o autor. Já o segundo título, “As Núpcias do Escorpião”, teve
melhor sorte. Robinson Padial, o Binho criador do sarau que leva seu nome,
encaminhou Tico para a Agência Popular de Fomento à Cultura Solano Trindade,
que financiou os primeiros 500 exemplares.
A obra
foi “abençoada” por Zé do Caixão, pseudônimo do cineasta macabro José Mojica
Marins. “Numa escala em que só Edgard Allan Poe pode levar nota 10, eu dou nota
8,5 para ele”, disse o cineasta. O vaticínio do artista famoso rendeu uma
segunda edição de “As Núpcias do Escorpião”, que vai saltar dos 500 exemplares
para mais 2 mil cópias.
A vida entre as mortes
Enquanto
sepulta corpos de segunda a sexta-feira das 9h às 16h no Cemitério da
Consolação, região central de São Paulo, Tico vai tramando novas estórias. A
maioria delas inspiradas em seu próprio calvário pessoal. Dos 10 contos de “As
Núpcias”, quatro deles são ambientados nos manicômios por onde o autor passou nas
guerras contra o vício.
A
dependência química de Tico, que já era terrível, levou-o ao fundo do abismo em
2010, quando sua mãe morreu. A compulsão por escrever foi sua melhor terapia.
Filho de
motorista e ônibus e empregada doméstica, o pai também falecido, Tico escreve desde
os 14 anos de idade. Chegou a ser aprovado na faculdade de Letras da USP em
1980, mas os entorpecentes abduziram o seu talento.
Se a
admissão na melhor faculdade do país não conseguiu desentortar o seu caminho,
Tico aprumou sua vida ao passar no concurso para coveiro em abril de 2012.
“Nunca
escrevo no cemitério porque nem dá tempo. Faço isto à noite, no quarto da
pensão onde moro. É pequeno, mas é meu”.
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Foto: David da Silva, 16.jan.2012 |
2 comentários:
Impressionante a história do Tico. Quantas experiências: do lixo ao luxo social, por tantas vezes, numa trajetória vertiginosa, vista por quem cá está. Um vencedor?
Sua própria história já daria um ótimo romance. Grande exemplo de superação!
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