Foto: Thatyana Oliveira Alves |
Então,
uma foto pode perfeitamente inverter a ordem natural das coisas. Na imagem
acima dois nomes importantes da Cultura da cidade de São Paulo atentam pr’alguma
coisa que digo.
O da
esquerda é Djalma da Silveira Allegro, 76 anos, poeta, jornalista, advogado,
autor teatral e ex-ator de teatro e televisão. O do centro é o sambista Silvio
Modesto, 70 anos, vencedor de mais de 20 concursos de samba-enredo, também
ator, autor de músicas gravadas pelos maiores nomes do samba brasileiro, e
parceiro do legendário dramaturgo Plínio Marcos num marco histórico do teatro
paulistano.
Logo, eles
têm nada a escutar de mim, esta pobre coisica.
O da
direita é Aloísio Nogueira Alves, produtor de duas das mais importantes
reportagens que já fiz. Conhecedor profundo da música nordestina e da
literatura de cordel.
Portanto,
eu tinha mais é de ficar (e fiquei) calado.
O
retrato do momento acima é típico do que nos ensina Roland Barthes. Fotografias
têm algo além do poder do tempo.
O
encontro da foto foi promovido pelo Aloísio, no seu aniversário. De Aloísio vou
contar coisa alguma aqui. Desde 1997 praticamente imploro para que ele próprio
escreva sua história de vida. Mas este filho de Messejana, no interior do
Ceará, refuga grudar no teclado, e dar de si para nosotros lermos. Já escrevi em incerta feita que Aloísio é um açude
de informações e de inspirações. Injusto nos deixar assim, a seco.
Sentar
à mesa com Djalma Allegro é festa para os ouvidos. Já se disse por aí que ele
deveria cobrar para conversar, tal o prazer de a gente beber de suas palavras. Seja
numa casa de família, ou no tradicional restaurante O Gato Que Rí, ou no mais
respeitável estabelecimento comercial da Rua Maceió (o bar das putas).
Djalma Allegro |
O
malabarismo verbal começa ao falar onde nasceu: “Eu nasci, de fato, em
Bebedouro; de direito, em Viradouro. Mas sou mesmo é de Terra Roxa, tudo no
interior de São Paulo”. A biografia de Djalma faz sulcos no Direito e na
literatura paulistana. Foi secretário-geral da Caixa de Assistência dos
Advogados de São Paulo; Conselheiro da OAB e organizador de concursos
literários naquele órgão. Por duas gestões diretor da União Brasileira de
Escritores. No jornalismo trabalhou na Editora Abril e no lendário Jornal da
Tarde.
Mas,
sua profissão (de fé) é a Poesia. Integrou a Ala dos Treze na Faculdade de
Jornalismo Cásper Líbero. Poeta ativo na década de 1960 na Catequese Poética ao
lado de Roberto Piva, Lindolfo Bell, Carlos Felipe Moisés... “Nós não
deixávamos os poemas nas gavetas. Declamávamos em pontes, praças, viadutos,
boates, botecos, estádios de futebol”, relembra Djalma.
Tem
apenas um livro publicado. E justifica esta aridez com um arrazoado sacana: “A
advocacia é um hobby que me toma muito tempo”.
Não
há encontro com Djalma em que ele não me presenteie com algo inédito. Ou que eu
ainda não tenha ouvido da sua vasta produção. Desta vez foi este poema, entregue
em 2007 ao ator Paulo Autran que o gravaria para o programa Quadrantes, da Radio Band News. Faleceu
logo depois de recebê-lo de Djalma, antes de poder registrá-lo em áudio.
Acesse o
Facebook e veja a declamação do próprio Djalma Allegro aqui
A festa do Aloisio aniversariante rolava divertida. Mas na nossa mesa o compositor Silvio Modesto irrompeu num choro convulsivo. Não de tristeza. Por gratidão.
O
sambista sempre me oferece nacos generosos da sua biografia quando nos vemos.
Uma vida ainda não eternizada no papel. Mas digna de morar entre capa e contracapa
de livro. Por mais que já falei dele
aqui no blog (veja os links no rodapé), sempre tem um detalhe que escapou do
papo anterior.
Silvio Modesto. Foto: David da Silva |
A
comoção do Silvio no encontro com Aloísio, Djalma e eu, remete ao ano de 1982. “Eu
andava numa dureza... Lá em casa, as panelas de boca para baixo, e do fogão não
subia nenhuma fumaça”. Vai daí que lhe
procura o amigo Bicalho. “Era um policial amigo meu. Disse que ia me levar pro
Rio de Janeiro naquela hora, no ato, pra gente negociar um samba meu no disco
do Benito di Paula”. O disco estava quase completo com sete composições do
próprio Benito, uma outra música de Roberto e Erasmo Carlos... mas Benito
queria alguma coisa que falasse da Bahia. E Silvio Modesto tinha um samba na
manga. “O Bicalho me levou pro aeroporto, me enfiou num avião da Pan-Air. A
gente não podia perder tempo”, relata o sambista Modesto, nascido em Brás de
Pina e criado no morro do Salgueiro. Mas morando em São Paulo desde o fim da décade
de 1960.
Para
agilizar os trâmites Bicalho sugeriu a Sílvio que lhe desse a parceria no samba
Doce Bahia. “Lógico que eu autorizei
ele entrar de parceiro. No sufoco que eu tava...”.
Chegados
ao Rio, Benito aceitou a música. Modesto e Bicalho foram receber o adiantamento
pelos direitos autorais. “Quando chegamos na minha casa com um pacote lotado de
dinheiro, minha mulher deu um pulo. Disse que ia chamar a Polícia, porque não
queria dinheiro roubado”, diz Sílvio, que respira fundo e prossegue: “O Bicalho
mostrou a carteirinha pra ela, disse ‘eu sou policial e este dinheiro veio da
gravadora do disco que Benito di Paula vai lançar’. A mulher sossegou. E na
hora que falei pro Bicalho pegar a parte dele daquela grana, ele simplesmente
me disse: ‘é tudo teu’, e não aceitou nenhum centavo”, conta Sílvio com a face
banhada em pranto.
Aqueles
3 minutos e 24 segundos de duração do samba Doce
Bahia deu uma virada na vida de Sílvio Modesto. Foi com aquele ganho que
ele comprou a casa onde mora até hoje no Parque Esplanada, vizinho à região do
Jd São Judas, de Taboão da Serra.
Há outro
vínculo do nome de Sílvio Modesto com a minha cidade de Taboão da Serra. Ele
interpretou o sambista Wilson Baptista no musical O Poeta da Vila e seus Amores, de Plínio Marcos. Estreada em 27 de
maio de 1977 na inauguração do Teatro Popular do Sesi, na peça Sílvio
compartilhou elenco com gigantes do palco como Ewerton de Castro e Elias
Gleiser. No elenco feminino, interpretando a principal namorada de Noel Rosa,
estava Analy Alvarez. Irmã de Amaury Alvarez, o homem que revolucionou o teatro
de Taboão da Serra.
Dado às
riquezas destes fiapos de fatos aqui relatados, eu já disse a você no início
deste texto - eu tinha coisa nenhuma pra falar de interessante pro Sílvio
Modesto e pro Djalma Allegro.
Daí é
que, às vezes, uma foto inverte totalmente a ordem natural das coisas.
Coisas
que já publiquei sobre o Silvio Modesto no nosso blog-boteco, quem inda não leu veja aqui, aqui e aqui
Visite a página de Silvio Modesto no Facebook
Foto: Tatiane Nogueira |
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