Calor
humano da fundadora de condomínio ecológico se espraiava para além dos muros da
comunidade que Iolanda Catani criou em Taboão da Serra há 50 anos.
Iolanda Catani - Acervo pessoal de Nilton Esteves |
Foi meio
por acaso que a família Ramos chegou ao Condomínio Rural Jardim Iolanda, em
Taboão da Serra, na década de 60. O conjunto habitacional ecológico completou
meio século de existência ontem, 20 de agosto.
No ano
de 1968, Frederico dos Ramos veio visitar seu amigo proprietário do Boteco do Zé Grande, na margem da
Rodovia Régis Bittencourt, na época chamada BR-2, hoje BR-116. Frederico é
natural da aldeia Vilarelho da Raia, norte de Portugal, quase fronteira com
Espanha. Zé Grande também era da mesma região. José Maria de Melo, o Zé Grande,
veio para o Brasil em 1958. Chegou a ter terras no local onde dona Iolanda
Catani já idealizava seu conjunto habitacional mergulhado na Mata Atlântica que
então cobria boa parte de Taboão da Serra.
Paisagem vista da casa de Carolina dos Ramos Foto: Nilton Esteves |
Ao
vender seu lote onde seria o futuro Jardim Iolanda, Zé Grande investiu em um
comércio e outros imóveis no outro lado da rodovia. Seu boteco – na verdade um
armazém, do tipo a que hoje chamamos mercadinho,
e os antigos, venda - tinha de tudo. Todo
tipo de comidas e até ferramentas. Enquanto servia os fregueses, Zé Grande
sugeriu a Frederico: “Por que é que não compras um terreno lá, ó pá? Aquilo vai
ficar muito bonito”. Frederico foi olhar. Dona Iolanda deu-lhe um tipo de
alto-lá. “Aqui ainda é propriedade particular. Futuramente será um condomínio”,
disse ela. Enfeitiçado pela beleza do lugar, Frederico e seus dois irmãos
compraram o lote 42. A princípio construíram uma casa só para finais de semana.
Tempos depois a propriedade foi desmembrada. Frederico construiu uma mansão num
outro lote do mesmo condomínio. Em 1989, já casado com Maria Carolina dos Ramos,
mudou-se do bairro Sumarezinho, na Capital, e fez do Jd Iolanda residência
fixa.
Carolina dos Ramos recebe a reportagem - Foto: N. Esteves |
Carolina
dos Ramos me recebe em sua casa no topo mais alto do condomínio, constantemente
banhada de sol. Como toda boa casa portuguesa com certeza o lar é encimado por
dois torreões. A moradia imensa está de portas escancaradas quando chego lá
acompanhado pelo síndico Nilton Esteves. Pensei estarem abertas porque a dona
já nos esperava. Mas não. “Nunca fecho as portas daqui, pois é totalmente
seguro”, conta Carolina. O portão elétrico desistiu de funcionar por desuso.
Assim como o alarme nem alerta mais nada por quedar-se esquecido.
Carol no seu ateliê de pintura - Foto: Nilton Esteves |
Em incerta
feita um casal visitante de alguém no condomínio adentrou a propriedade de
Carolina. “Eu estava varrendo aqui a porta de casa, e perguntei o que eles
queriam. Disseram que estavam apenas passeando e vieram conhecer a igreja”,
sorri Carolina. A entrada da mansão tem um hall abobadado, decorado por arte
sacra, entre elas uma Nossa Senhora da Conceição. Outro quadro, uma Madonna, é obra da própria Carolina.
Carolina
é artista plástica. Sua técnica mais frequente é massa colorida de acrílico
sobre tela. A pintura pula para fora da
moldura.
“Adotei esta técnica pois eu tinha uma amiga cega, a Luzia, a quem
chamávamos Nenê. Ela se queixava de a sua cegueira impedi-la ver meus quadros.
Daí passei a fazer esta pintura tátil, para Nenê sentir o quadro com as mãos”, diz a artista.
Sinal dos tempos
Até 1994
o Condomínio Iolanda vivia em clima de verdadeira comunidade rural incrustada
no subúrbio da suburbana Taboão da Serra. Com o Plano Real [reforma econômica
implantada pelo ex-presidente FHC] muitos proprietários desdobraram seus
imóveis. Ficou caro manter as despesas sem os juros que auferiam na ciranda
financeira. O número de casas saltou de 92 para 120 moradias.
Os novos
proprietários já não vinham com a filosofia de vida dos antigos habitantes da
área, que prezavam acima de tudo a amizade e a harmonia entre vizinhos.
Carolina
é uma das que estranharam os hábitos refratários dos novos moradores. “Aqui
sempre vivemos em comunhão. E quem chegou depois não incorporava nossa
concepção de morar”, conta.
Quem conviveu com a afetividade da vizinhança
original do Jd Iolanda, jamais esquece. “Tenho uma filha que mora na França, e
ela veio de lá exclusivamente para casar-se aqui em casa, pois tem laços
profundos com o que viveu aqui na infância e adolescência”, relata Carol (pelo
apelido aqui usado você nota que já me sinto amigo antigo da
moradora).
Com o
passar dos tempos os novos vizinhos já mostram sinais de adequação ao espírito amistoso
implantado por Iolanda Catani.
“Às
vezes algumas pessoas estranham o meu jeito de tratar os outros. Alguns podem
até pensar que estou precisando de tratamento por eu ser assim tão empolgada e
expansiva”, brinca Carol. Aí é que se enganam. Eles (os arredios) é quem
precisam tratamento. Carolina dos Ramos é psicanalista com consultório na
Avenida Faria Lima, em Pinheiros.
José Melo - Foto: David da Silva |
A
concórdia entre os moradores do paraíso habitacional criado por Iolanda Catani
não se fechava nos muros do empreendimento.
Moradores do entorno do condomínio
costumavam vez ou outra passear pela propriedade de natureza exuberante e até nadar
na piscina da casa de dona Iolanda. “Todos os anos, até meus 14 anos de idade,
dona Iolanda sempre mandava presentes de Natal para mim”, lembra José Antonio
Coelho de Melo, 49 anos, nascido na localidade vizinha ao Jd Iolanda. Ele é
filho do Zé Grande do início desta história.
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