“Este
samba é do grande Silvio Modesto”. Quem falou aquela
frase foi a cantora Beth Carvalho. E eu deixei pra lá o desfile de 7 de
setembro para me encontrar com o sambista Silvio Modesto, um dos ícones da verdadeira identidade da
Pátria.
Tô aqui
batucando esta crônica no teclado da memória. Na porta do bar do Carioca. Aquele
mesmo na frente de onde passa a moça que gosta das fotos dos cachos de uvas.
Antes de
se despedir do boteco após breve encontro, o sambista Silvio Modesto adverte brincalhão:
“Olha que não foi bem um sequestro, viu?”. Digo pra ele ficar sossegado com a
metáfora. E vai embora. Com o estômago parecendo um aquário. Tomou caldo de
peixe até umas horas.
Vou te
contar.
Silvio Modesto |
O disco
havia sido gravado ao vivo no dia 10 de dezembro de 1991, no Sesc-Pompeia. Nos
73 minutos de duração do álbum, o nome de Silvio Modesto foi o único citado pela
cantora na abertura das músicas. E isto numa coletânea de compositores da
envergadura de Adoniran Barbosa, Paulo Vanzolini, Eduardo Gudin...
“Vamos
marcar uma hora pra você falar com a Beth. Ela faz questão de te conhecer”, repetiam
a todo instante. Silvio fugia.
O disco Beth Carvalho Canta o Samba de São Paulo
foi um projeto especial da gravadora Velas, de propriedade de Ivan Lins e
Victor Martins. “Este disco foi comercializado primeiramente no Japão. Só foi
lançado aqui no Brasil em 1993”, conta Silvio.
Com
aquela única música incluída no disco (na faixa 13) Silvio Modesto “tirou o pé
da lama”. Já contei pra vocês de outras fases brabas na vida do Silvio. Sempre
às voltas com a dureza, a pindaíba, o sem-nenhum no bolso. O que ganhava,
torrava. Mas, para cada ocaso, um acaso. Venturoso.
Foi assim na década de 1970
quando se encontrou com o amigo Jangada na Praça da Sé. E este estava
acompanhado por nada menos que Plínio Marcos. O encontro salvou Silvio da
miséria. Estava na pior. Vendendo bilhetes da Loteria Federal, “naquela de
jogar a sorte grande no pé do otário e dizer que foi o destino”, como disse
Plínio Marcos. “Trabalhei muitos anos com carteira registrada como ator pelo
Sesi, atuando em peças do Plínio Marcos”, recorda Modesto agradecido. “Foi a primeira
vez na vida que tive uma conta em banco, e voltei a almoçar e jantar no mesmo
dia depois de muitos anos”.
Foi
desse mesmo jeito em 1982 quando Benito di Paula gravou o samba Doce Bahia, que Silvio havia composto por acaso, mas que coube direitinho naquilo que Benito queria para coroar seu 15º LP. E as panelas da casa do Silvio
Modesto deixaram de ficar com a boca pra baixo após larga temporada em que o
fogão da cozinha não era aceso. A mulher até pensou que fosse um assalto a
pacoteira de dinheiro com que Silvio voltou pra casa ao receber o direito
autoral da gravadora de Benito. “Com aquela dinheirama dei entrada na minha
casa”, diz o sambista sobre a residência onde mora até hoje no limite entre
Taboão da Serra e Embu das Artes.
Foi
assim também em 1986 quando Bezerra da Silva gravou um samba seu. “Eu já estava
perdendo o imóvel, de tantas prestações atrasadas. Com a grana que recebi pela
gravação do Bezerra da Silva botei minha vida em ordem”, relembra Modesto.
O valor
que recebeu em 1991 pela gravação de Beth Carvalho foi outra fábula. “Quase nem
cabia no meu bolso de tantos dólares que me pagaram”, relata o compositor de Meu Lirismo, que tanto encantou a
cantora carioca.
Mas você
deve estar se perguntando por que Silvio Modesto, natural do Rio de Janeiro, foi
incluído num disco só com sambas feitos por gente nascida em São Paulo. Acontece
que ele é considerado o mais completo sambista carioca paulista. Pois foi aqui
que a carreira artística de Silvio deslanchou, e onde venceu mais de 20
concursos de samba-enredo.
Para comemorar
com os sambistas paulistas seu disco, Beth Carvalho fez questão especial que Silvio
Modesto estivesse na plateia. “Não vou lá, não”, dizia ele a cada vez que
entravam no assunto.
Foi aí
que um desses amigos concordou com Silvio Modesto para não ir ao encontro da
intéprete no show-celebração. “Esse amigo me chamou pra ir dar umas voltas com
ele de carro”, conta Modesto. “Quando estávamos ali pelas bandas do Pacaembu,
meu amigo entrou numa tremenda duma mansão. Cheia de quartos e corredores que
não acabava mais. Ele disse pra eu esperar ali um pouquinho, que ele já voltava”,
lembra Silvio. “Só que a casa estava vazia, e eu fiquei lá dentro sozinho. A
mansão toda trancada”.
Foi só
perto da hora do início do espetáculo da Beth Carvalho que o amigo foi
retirá-lo da mansão onde o sambista ficou “cativo”, para pô-lo diretamente na poltrona
perante a consagrada Madrinha do Samba.
Meu Lirismo (Silvio Modesto)
Eu agradeço ao Criador
Eu agradeço ao Criador
por
ter me dado
Os
simples momentos
em
que falam sobre mim
Tenho
mil razões pra festejar
Eu
sou a brisa que, no ar
Me
leva ao som dos clarins
E
assim
Canto
o lirismo popular
Enquanto
puder cantar
E
o povo gostar de mim
Cantar,
cantei
Fortemente
consegui
Ter
amor pra dividir
Ser
radiante a triunfar
Andar,
andei
E
nas andanças que eu fiz
Defendendo
esse país
Pela
cultura popular
Baldo :
Surdo; Edmilson Capelupi : Violão 7 Cordas; Fiapo : Repique de Mão; Jorginho
Cebion : Tantã; Niltinho : Cavaquinho; Osvaldinho da Cuíca : Percussão; Paulão
7 Cordas : Violão; Toninho Pinheiro :
Bateria - Arranjador: Paulão 7 Cordas.
A versão
do próprio compositor:
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