Povo ocupou a chácara em defesa da área verde. Foto: David da Silva - 24.ago.2013 |
Casal de pica-paus na chácara. Foto: David da Silva - 14.dez.2010 |
O que eu
já ouvi de opinião estapafúrdia e proposta indecente sobre a Chácara do Jockey,
abusa a paciência de qualquer cristão. Instalada no bairro Ferreira, zona oeste
da capital, a chácara será definitivamente apossada pela Prefeitura de São
Paulo na tarde desta 5ª-feira, 2 de outubro. O local será convertido em imenso
parque público de 151 mil metros quadrados.
O imóvel
pertencia ao Jockey Clube de São Paulo, agremiação de magnatas donos de cavalos
de corridas. A entidade deu um calote de R$ 133 milhões em dívidas com IPTU na
prefeitura paulistana. E deve outros R$ 70 milhões à Receita Federal.
Para se
livrar da dívida, em 2008 o Jockey tentou construir 648 apartamentos de alto luxo
dentro da chácara.
A
população dos arredores chiou.
Outra
jogada do Jockey sob alegação de arrecadar grana para zerar o calote milionário,
era alugar a chácara para mega-shows. Transformou a vida da vizinhança num
inferno.
O
Ministério Público mandou parar com a algazarra.
Atividades esportivas serão preservadas. Foto: Luiz Carlos Murauskas |
Passei a
acompanhar o problema da Chácara do Jockey quando iniciei breve período na assessoria
de imprensa ao Clube Pequeninos do Jockey, que se utiliza de parte da área. O
destino da escolinha de futebol dependia do futuro da chácara.
Foi daí
que comecei a escutar as extravagâncias que citei na primeira linha deste
texto.
Na sua
gestão, a ex-prefeita Marta Suplicy ousou desapropriar a chácara para enfiar no
lugar das árvores blocos de prédios para moradias populares. Moradores do
entorno foram à Justiça pela preservação da área verde. A prefeita recuou.
A luta
popular em defesa da chácara como riqueza natural arrefeceu um pouco com a
desistência da mandatária. Mas permaneceu fogo sob cinzas. Continuaram as articulações
de bastidores para mantê-la a salvo da sanha das construtoras.
Antigas cocheiras serão destinadas a atividades culturais Foto: David da Silva - 18.nov.2009 |
Na Igreja e nas faculdades
Em 2011
a defesa da chácara ganhou valorosos aliados. Virou sermão na igreja do padre
Darci Bortolini, e se espalhou até pelos corredores da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo (FAU) da USP (Universidade de São Paulo).
Padre
Darci conclamou seus fiéis da Paróquia Nossa Senhora de Fátima. Rapidinho saiu
um abaixo-assinado com mais de 2.000 adesões.
No meio
acadêmico, a Chácara do Jockey virou tema na disciplina de paisagismo. O
professor de urbanismo Fábio Muniz Gonçalves estimulou seus alunos a criarem
projetos de utilização da chácara para debater com os moradores.
A
especulação imobiliária também teve de enfrentar a trincheira levantada pelo
antropólogo Pedro Guasco, no comando da Rede Butantã de Entidades e Forças
Sociais.
Todos os
três personagens citados acima são moradores da região da chácara.
A
concretização da posse da Chácara do Jockey pela Prefeitura de São Paulo tem,
além da racionalidade, uma questão sentimental. Ao saber da cerimônia de
assinatura da posse na tarde desta 5ª-feira, a universitária Kelly Gimenes
desabafou no Facebook: “Estou emocionada!!! Escolhi esta área como tema para
meu Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo, com o tema Parque
Chácara do Jockey, com o desejo de vê-lo realizado”.
Padre Darci no ato público dentro da chácara Foto: David da Silva - 24.ago.2013 |
Cronologia de uma encrenca
Pelo
alto poder aquisitivo dos sócios do Jockey Clube, muitas pessoas não criam na
vitória da luta pela conversão da chácara em parque aberto ao público.
Houve um
breve despertar de ânimos em 4 de março de 2011, com a visita do então
secretário municipal de Esportes Walter Feldman à área. “A decisão já está
tomada. O terreno tem de virar um parque. É a sua vocação”, pregou Feldman.
Mas a
prefeitura decidiu dar um prazo para o Jockey escolher entre pagar a dívida, ou
ceder a chácara como amortização do que deixou fiado em impostos. A data para a
decisão final expirou em março de 2013. Nem a prefeitura nem o Jockey davam um piu sobre o assunto.
As
reuniões a portas fechadas nos gabinetes da prefeitura e nas salas do Jockey
continuavam.
Nem
mesmo a visita do ministro dos Esportes Aldo Rebelo à chácara em maio de 2013
desengasgou a demanda.
Flamboayant na Chácara do Jockey Foto: David da Silva - 08.nov.2012 |
Foi daí
que resolvi propor um ato público. Botar o povo na rua era a única maneira de
não deixar a questão esfriar novamente.
No dia
24 de agosto de 2013 cerca de 350 manifestantes deram um abraço simbólico na
chácara. O clamor por parque público envolto em área verde da chácara
desembolorou.
No
último dia 17 de julho o prefeito da capital anunciou a criação do parque. Dias
depois, em 1º de julho de 2014 foi liberado o repasse de quase R$ 64 milhões (mais
exatamente R$ 63.915.332,57) para desapropriação do imóvel.
A
chácara é nossa. O parque é do povo.
Futuramente,
na parte dos fundos do terreno ficará a Estação Chácara do Jockey, do Metrô.
A pior delas
Deixei
pra contar pra você aqui no final a sugestão mais absurda que me falaram,
dentre as tantas que tive de aturar sobre a Chácara do Jockey.
Em abril
de 2006, estava eu na minha humilde salinha no Pequeninos do Jockey, quando
adentra um famoso deputado. O parlamentar veio nos dizer que havia achado a
solução para o problema da chácara. “O Bóris vem aqui no Brasil daqui a poucos
dias, e tem dinheiro suficiente pra comprar a chácara, e vocês [Pequeninos do
Jockey] podem continuar aqui na área”.
Falou
assim na boa, como se o tal “Bóris” fosse pessoa das minhas relações.
Tratava-se
nada menos que o mafioso russo Boris Berezovsky. Envolvido na lavagem de
dinheiro entre a empresa MSI e o time Corinthians. Berezovsky nem conseguiu
autorização pra descer do seu jatinho particular. Se o fizesse, nossa Polícia
Federal já estava com algemas prontas a recebê-lo.
O super
milionário criminoso russo, que o político teve a cara-de-pau de apresentar-nos
como provável dono da Chácara do Jockey, foi encontrado morto na sua mansão em
março de 2013. Se enforcou no banheiro.
Cerimônia de posse da Chácara do
Jockey pela Prefeitura de São Paulo
Dia 2 de
outubro (5ª-feira) – às 14h30
Rua
Santa Crescência, nº 323
Altura
do nº 5.100 da Avenida Francisco Morato
Vista aérea do futuro parque público no bairro Ferreira - Foto: Google |
2 comentários:
Mano, David. Bela matéria, digna de sua assinatura.
Abraço.
Pé.
Parabéns pela luta, David!
Abraço do Wlad
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