Dona Zefa um mês antes de completar 103 anos de vida. Foto: David da Silva - 30.abr.2015
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David da Silva
A contabilidade de vida da dona Zefa tem números grandiosos. Vai fazer 102 anos daqui a um mês, deu à luz 15 filhos, tem 27 tataranetos, 61 netos, e 98 bisnetos. Moradora do bairro Jardim Suiná, Taboão da Serra, Josefa Maria da Silva nasceu em 14 de junho de 1913 no sertão alagoano. As movimentações de sua família durante sua infância e juventude descrevem um arco desde o município Chã Preta, onde ela nasceu, passando por Viçosa, onde se casou aos 15 anos, e Anadia, último lugar em que morou antes de migrar para São Paulo cerca de 65 anos atrás.
O local de nascimento de dona Zefa, a
105 km de Maceió, é vizinho ao município de Quebrangulo, berço do escritor
Graciliano Ramos.
A carteira de identidade que dona Zefa sempre gosta de mostrar às visitas |
Vagas lembranças
A memória das pessoas é seletiva. Guarda
o que agrada, apaga o que agride. As recordações de dona Zefa não registram
mais os anos difíceis no agreste nordestino. “Não lembro nada de como era o
lugar que eu nasci. Só sei que a casa do meu pai era muito grande, e coberta de
telhas. Muitas casas lá eram cobertas com palhas, mas a do meu pai tinha
telhas. Meu pai plantava algodão, milho, feijão... essas coisas assim. O resto,
não lembro mais nada. A gente morava na lavoura, bem fora da cidade, muito
longe. Eu pouco ia em Viçosa e Anadia. Não sei mais como eram esses lugares”,
relata.
Mas um sorriso jovial perpassa os
lábios da centenária senhora quando perguntada sobre o seu marido, já falecido.
“Eu conheci ele trabalhando na roça. O pessoal dele morava lá perto de Chã
Preta. Eles iam na casa da minha família. Meus pais não queriam que eu casasse
com ele porque ele era moreno, e o meu pai tinha a pele bem clara. Demoramos
muito tempo pra poder casar”. José Pedro da Silva, seu esposo, faleceu aos 69
anos já morando em Taboão da Serra.
Também só sobrou uma lembrança vaga do
caminhão “pau-de-arara” que levou sua família de Alagoas para São Paulo. “Só sei
que tinha uns bancos [na carroceria] e era coberto com uma lona. Veio lotado de
gente, com a mudança de duas famílias. Não lembro quantos dias a gente demorou
pra chegar. Viajava direto, dia e noite, com dois motoristas”, diz dona Zefa.
A vinda para o sul se deu a convite do
padrinho de um de seus filhos. “Ele já morava aqui em São Paulo, voltou em
Alagoas para buscar a mãe, e perguntou para o meu marido se ele queria vir para
cá, então viemos”.
Zefa e seu marido desembarcaram com a
dezena de filhos na cidade de Álvares Machado, distante 576 km da capital São
Paulo. Repetiram lá o que faziam na terra natal – trabalhar na lavoura, no
sistema de arrendamento.
Parte da família de Josefa mudou-se
para a Grande São Paulo há aproximadamente 40 anos. Moraram por uns tempos na
região do Jabaquara (Vila Santa Catarina, zona sul da Capital), antes de se
instalarem em Taboão da Serra. Hoje três de seus filhos moram em Taboão; outros
estão espalhados pelo interior paulista.
Independente
e exigente
Se as imagens do passado de dona Zefa
se dissolveram com o tempo, por outro lado ela tem excelente memória sobre
filhos e netos. Durante a entrevista, chegou a corrigir sua filha caçula sobre
a idade do neto mais novo. De toda a sua prole, apenas Eliete, a caçula, de 60
anos, nasceu em São Paulo.
É ela quem cuida do dia-a-dia de dona
Zefa. “Minha mãe não costuma dormir muito cedo. Às vezes é 10 e meia da noite e
ela tá saracoteando aqui pela casa. Daí ela dorme até por volta das 10h da
manhã. Quando fica mais tempo na cama, ali pelas 11h vou lá acordá-la. Ela faz
tudo sozinha. Toma banho, se penteia e troca de roupa sem precisar de ajuda”.
Como não dá trabalho para cuidar da
própria higiene, dona Zefa tem o direito de exigir o que come. “Ela não gosta
de queijo, só aceita mussarela. Não bebe café, só chá de erva cidreira. Não
come bife nem filé de frango, nem gosta muito de macarrão. Não é muito chegada
em saladas. Prefere carnes que tenham osso, costela, mocotó. Mas sirvo estas
comidas só de vez em quando, a cada 15 dias devido à idade dela. No mais, come
de tudo, sem restrições. Essa semana ela quer comer dobradinha”, relata Eliete.
Nada
de tragédias!
Para dona Zefa, a televisão é uma
extensão da sua religiosidade. “Eu gosto muito de assistir missas na televisão.
Assisto duas missas no correr do dia. Gosto de um padre moreno aqui de São
Paulo. Ele faz uma pregação muito bonita, viu? Muito bonita mesmo. E gosto
muito desse padre daqui, o padre Kirano. Já fui umas duas vezes lá na casa
dele”.
O jornalismo-tragédia é recusado pela
idosa. “Em jornal não sou chegada, não. Tem muita coisa errada. É roubo,
ladrão, mata-mata, mulher... essas coisas assim”.
A música de hoje em dia também leva
puxão de orelha. “São músicas escandalosas”.
Coração
de mãe
Mesmo com os 15 filhos que gerou, dona
Zefa ainda terminou de criar os filhos de uma irmã e de um cunhado.
Dos filhos já falecidos, dois foram
natimortos (se vivos, estariam em torno de 83 a 84 anos), Oséias morreu há 50
anos; José, apelidado Jovem, se foi há quatro anos, e Dézinho (José) morreu há
nove meses, com 83 anos. Foi o padrinho de Dézinho quem convenceu o marido de
Zefa a migrar para São Paulo.
A escadinha dos filhos de dona Zefa
hoje está composta de Elizete, 82 anos; Valdomiro, 81 anos; Josias, 79 anos;
Adelson, 76 anos; Francisca, 74 anos; Geraldo, 71 anos; Gerson, 68 anos; Zé de
Mãe (José), 65 anos; Olindina, 63 anos, e Eliete, 60 anos.
3 comentários:
Parabéns dona Josefa! Deus permitiu a senhora mostrar a quem quer saber que: Ser mãe por 15 vezes e digna quinze vezes a mais. A senhora é um exemplo para os de hoje. Por certo a senhora viu, ouviu e assistiu muita cousa. Inclusive deve ter conhecimento de duas guerras mundiais. Também por certo já ouviu dizer muito sobre a politica. Principalmente a do nordeste. Talvez a senhora não saiba dizer nada sobre a "Belle Epoque", Mas, viver 102 anos é uma benção, os que estão nascendo agora talvez, não vivam um terço desse tempo. Com tanta modernidade azucrinando o cérebro por certo o ser humano, vai ter pouco tempo para viver a vida! Parece que vão vegetar na doidice.
Maravilhosa, uma senso de amor a vida e as pessoas com as quais convive. Minha vovo amada e abençoada!
Minha guerreira
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