A antiga estação ferroviária Crasto, em Barra Longa, construída em 1929 e desativada em 1980. Patrimônio histórico está abandonado. Foto: Eduardo Lanna |
David da Silva
Na
semana em que circulei por Barra Longa, na Zona da Mata em Minas Gerais no
final do mês passado, perguntei a moradores antigos por que todas as três estações
de trem que existiram naquele município ficavam tão longe do centro da cidade.
Ninguém ali soube me explicar o porquê. O mistério só foi esclarecido quando, de
volta à minha casa em Taboão da Serra (SP) assisti ao vídeo “Memórias de Dona
Lilá”, depoimento da senhora Maria Auxiliadora de Freitas Mucci, a Lilá, nascida em Barra Longa e falecida
em 2014 aos 95 anos. Dona Lilá é mãe do cantor, violonista e compositor João
Bosco (autor de Papel Machê, Mestre-Sala dos Mares, etc.).
Em seu
vídeo de recordações, dona Lilá conta que quando surgiu a proposta de levar a estrada
de ferro passando pela sede administrativa de Barra Longa, um líder político
local (popularmente chamado ‘coronel’) se opôs. “Um deles falou: ‘não, Barra
Longa não pode deixar passar trem de ferro. Vai trazer bandido, vai trazer
muita coisa ruim pra cá. Não pode, não!’”, narra dona Lilá. “Então a linha do
trem foi para Felipe dos Santos [distrito a 18 km longe do centro]”, conta. Se
o ‘coronel’ quis preservar seu paraíso, a vida dos estudantes virou um inferno.
“Para irmos ao colégio em Mariana [na época a cidade mais próxima com ensino de
segundo grau] tínhamos de sair do centro de Barra Longa em lombo de cavalo ou
em carro de boi, e pegar o trem na estação Felipe dos Santos”, registrou a
antiga moradora.
Restos mortais da ferrovia em Barra Longa, no distrito de Felipe dos Santos. A estação foi destruída, roubadas até as pedras da plataforma onde o trem estacionava. Foto: Milton Brigolini Neme |
O ‘donos do pedaço’ e o caminho de
ferro
A
ferrovia que passava por Barra Longa ligando Ouro Preto a Mariana e Ponte Nova começou
a ser construída em 1887 e foi concluída em 1926. Esta linha de trem cortava o
extremo sul do município de Barra Longa, próximo ao limite com o município
Acaiaca.
Se
chegou-se a cogitar o traçado ferroviário tangenciando o núcleo urbano de Barra
Longa, quem teve influência política suficiente para empurrar o trem para os
confins do município?
No vídeo
de dona Lilá não é citado o nome do ‘coronel’ que interferiu no projeto da
linha férrea. Isto me obrigou a um mergulho na história antiga de Barra Longa,
à procura de quem detinha o mando naquelas paragens nos anos 1880.
A
história registra que em 1886 Dom Pedro II e sua imperatriz Tereza Cristina
estiveram em Ponte Nova, para inaugurar uma estação de trem. Esta estação
integrava o ramal que vinha do Rio de Janeiro a Ponte Nova. Enquanto isto Ouro
Preto e Mariana seguiam isolados, sem estrada de ferro para Ponte Nova e dali
fazer a conexão com a ferrovia para a capital do Brasil.
No dia em
que o casal real esteve em Ponte Nova, foi oferecido a eles um banquete na fazenda
do médico José Mariano Duarte Lanna. A família Lanna era tradicional liderança
econômica e política de Barra Longa, dona da maior fazenda daquele município. A
visita do Imperador à propriedade de um membro da família Lanna revela a força
e o prestígio deste clã naqueles tempos.
As três estações de trem em Barra Longa ficavam a quase 20 km de distância do centro urbano, por determinação de forças políticas do município na virada do século 19 |
As três estações
Em Barra
Longa existiram três paradas de trem. As estações Cônego Luiz Vieira e Felipe
dos Santos foram inauguradas em 28 de agosto de 1926. Três anos depois, em 5 de
agosto de 1929 foi inaugurada a estação Crasto. A estação Felipe dos Santos foi destroçada. As outras duas estão hoje
em ruínas. Os trilhos de ferro foram roubados. A estação Crasto agora fica em
propriedade particular, e o fazendeiro usa a instalação como depósito de milho.
As
estações ferroviárias de Barra Longa foram fechadas em 1980. Mas o trem
continuava a passar, indo direto de Ponte Nova a Acaiaca. Esta linha funcionou
até 1982. Um trem misto com passageiros e cargas saía diariamente de Ponte Nova
às 14h30 e chegava a Miguel Burnier (à frente de Ouro Preto) às 22h19. Na
volta, o trem saía de Burnier às 4h da madrugada, chegando a Ponte Nova às
11h50. Eram sete horas e 50 minutos para transcorrer a distância de 144
quilômetros.
Ruínas da estação de trem Cônego Luiz Vieira, em Barra Longa Foto: Fábio Libânio |
A vingança da
locomotiva
Voltemos
ao personagem do início da nossa narrativa. Dona Lilá conta que o fazendeiro
que proibiu a ferrovia de passar pela sede administrativa de Barra Longa, foi
num certo dia passear ou resolver negócios em Ponte Nova. O carro do fazendeiro
ficou entalado nos trilhos ao cruzar uma passagem de nível. “Com o carro preso
nos trilhos, veio um trem e passou por cima dele. Sim senhor. Foi assim”.
Mapa ilustrativo da distância de 18 km que moradores tinham de percorrer a cavalo ou carro de boi do centro de Barra Longa até a estação ferroviária |
3 comentários:
Narrador de Barra Longa!
Belo trabalho jornalístico!
meu pai descendia da familia do Conego Vieira,ele saiu dessa região nos anos 50...ele me falava dessas estações que tinha em Felipe do Santo e Crasto.
Meu pai foi nascido e criado em Felipe dos Santos, filho de Rita Domingos da Paixão e José Eduardo, meu avô foi agente da estação ❤️Sds
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