Bourbon Street é a próxima parada da cantora que já se apresentou no Beco das Garrafas e no Bar Brahma. Foto: David da Silva - 04.jun.2018 |
“São
Paulo foi a primeira cidade a aderir e importar grandes nomes da Bossa Nova”. A
afirmação é de uma autoridade eclesiástica no assunto. O musicólogo Zuza Homem
de Mello aponta a capital paulista como o primeiro lugar onde compositores
bossa-novistas conheceram a consagração longe das praias cariocas. O show
coletivo no Carneggie Hall de Nova York na noite de 21 de novembro de 1962 foi
sofrível – a ponto de a revista The New
Yorker escrever “Bossa, go home” (Bossa
Nova, volte para casa). Foi aqui em SP onde Tom Jobim deu o primeiro grande
espetáculo da sua vida em solo brasileiro. Baden Powell optou por SP para fazer
seu show na volta ao Brasil depois de anos morando em Paris. A noite paulistana
foi o ambiente de trabalho eleito por Johnny Alf, que se mudou do Rio para cá
em 1955, três anos antes da data considerada oficial da Bossa Nova.
É
o peso dessas referências que passa pela voz de uma artista paulista de 22 anos
de idade no projeto que homenageia os 60 anos de criação da Bossa Nova. A cantora
Julia Ferreira se apresentou em 28 de abril último no legendário Beco das
Garrafas, berço do movimento no Rio. Em 4 de junho a apresentação foi no
histórico Bar Brahma, em SP.
Como
e quando Julia e Oscar passaram a trabalhar juntos, já contei aqui
No Beco das Garrafas c/ Rubens Barbosa (baixo) e Rick Siqueira (bateria) |
“Nossa próxima apresentação será no Bourbon Street aqui de SP, e
depois faremos uma temporada na Casa Natura Musical, também aqui na capital”,
antecipa o guitarrista Oscar González, criador do projeto e diretor musical dos
espetáculos onde Julia Ferreira se firma como uma sólida promessa de vida nos
corações de quem anseia pela boa música de Jobim, Menescal, Carlos Lyra, Marcos
Valle, Djalma Ferreira, e outros gênios da Bossa Nova.
Carioca da gema,
cidadã paulistana
Com
a certidão de nascimento carimbada no Rio, a Bossa Nova tornou-se em
pouquíssimo tempo cidadã da “terra da garoa”. A tal ponto que a Rádio Eldorado,
emissora paulista fundada em 1958 (ano da gravação de “Chega de Saudade”) tinha
como prefixo musical “Bim Bom”, composta pelo mesmo João Gilberto que eternizou
a composição de Jobim e Vinícius de Moraes.
Se
o precursor Johnny Alf já tinha trazido seu piano para SP três anos antes da
eclosão do movimento, em 1962 e 1963 foi a vez de as cantoras Alaíde Costa e
Claudette Soares trocarem Copacabana pela Praça Roosevelt. Nessa praça, em 1959
o pianista e cantor Dick Farney já tinha aberto um bar (o Farney’s, depois comprado
por Djalma Ferreira tornando-se Djalma’s, e hoje, na posse de Esdras Vassalo
(Doca) se chama “Pinga, Papo e Petiscos”). Foi neste histórico número 118 da
Praça Roosevelt que Elis Regina cantou pela primeira vez em SP, no dia 5 de
agosto de 1964.
Naquele
mesmo ano de 1964, no dia 26 de outubro, Tom Jobim se apresentou pela primeira
vez ao vivo para os paulistas, no show O
Remédio é Bossa, na platéia repleta de 1.530 lugares do teatro Paramount.
Túmulo do samba?
O
jornalista Ruy Castro diz que “mudar-se para SP foi a solução mais confortável
encontrada pela Bossa Nova para fazer de conta que não estava saindo de casa”.
No auge bossa-novístico, a capital paulista tinha 27 importantes casas noturnas
dedicadas a este estilo musical.
Foi
numa dessas casas, a boate Cave na Rua da Consolação, que Vinícius de Moraes
ficou muito puto com um grupinho de burgueses bêbados que falando alto
atrapalhavam o som de Johnny Alf. “Meu irmãozinho, pegue a sua malinha e se
mande para o Rio, porque São Paulo é o túmulo do samba”, aconselhou o poeta ao pianista.
Claro que era um exagero, e Johnny Alf morou em SP até falecer.
Foi
também na boate Cave onde Baden Powell tocou pela primeira vez no Brasil após
sua volta de Paris. Ele lotou aquela casa durante um mês acompanhado pelo Jongo
Trio.
Por
falar em trio, foi na Baiúca, na mesma Rua da Consolação, que em 1964 nasceu o
Zimbo Trio, um dos grupos mais representativos da música instrumental
brasileira.
É
no solo fértil destes acontecimentos, que a voz de Julia Ferreira e a guitarra
de Oscar González resgatam a paisagem sonora que São Paulo nunca mereceu ter
perdido.
Show no Bar Brahma c/ Billy Magno (piano e sax), Rick Siqueira (bateria) e Jorginho Silva (contrabaixo). Foto: David da Silva - 04.jun.2018 |
Um comentário:
Inspiradora tua reportagem, David! um convite a boa musica. Nossa garoa frutificando no inverno!
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