Batista Félix é doutor em Antropologia Social. Foto: Reprodução |
David da Silva
O
antropólogo Batista e eu éramos “ratos” da Biblioteca Mário de Andrade, no
centro da cidade de São Paulo. Após o último encontro em 1982, só voltei a
vê-lo 25 anos depois em uma palestra no Cemur, espaço de eventos em Taboão da
Serra. De lá pra cá, nosso contato só rompe a distância de 2.225 quilômetros na
cerveja de fim de ano.
Professor
na Universidade Federal de Tocantinópolis, doutor em Antropologia Social e
Coordenador do Curso de Ciências Sociais, o meu mano João Batista de Jesus
Félix lança na 6ª-feira, 26 de outubro, seu livro Hip-Hop: Cultura e Política no Contexto Paulistano.
Um
rapaz desce bufando de raiva a Rua São Vicente, no bairro paulistano do Bexiga.
Estamos em julho de 1987. Ao passar pela quadra da Escola de Samba Vai-Vai, o
que ecoa na cabeça de João Batista não é o som dos tamborins. Soam-lhe pesadas
as palavras do advogado Celso Fontana, no escritório de quem Batista estava
minutos atrás. “Pôrra, Batista! Você não tem nenhum curso superior? Assim não
dá! Eu achava que você fosse formado”. A decepção do advogado vinha da
admiração que nutria pela vasta cultura do rapaz. Velhos amigos, Celso Fontana
se prontificou a apresentar Batista para uma vaga na Secretaria de Cultura da
Prefeitura de São Paulo. Mas quando viu o currículo do moço...
Os
imensos conhecimentos de história, cinema e filosofia de Batista vinham das
suas longas jornadas de leituras na Mário (esta intimidade é concedida a mim e
ao meu amigo devido à nossa assiduidade naquele templo do aprendizado autodidata).
A biblioteca-símbolo de Sampa fazia a nossa conexão norte-sul. Batista é do
Bairro do Limão, e eu, das quebradas do quadrante sudoeste da Grande SP.
“Esfregar na cara”
Sem
um puto no bolso, Batista resolveu bater na recepção de um curso pré-vestibular
ali mesmo na Rua São Vicente onde descarregava sua bronca numa caminhada
estugada. Conquistada a bolsa de estudo, ingressou na turma de agosto. Em
dezembro a Fuvest anunciava que Batista fora admitido na USP (Universidade de
São Paulo).
Sua
aplicação no estudo tinha uma pitada de vingança. “Eu não tinha engolido o
desaforo do Celso em não levar meu currículo à prefeitura. Minha intenção era
terminar a graduação e esfregar o diploma na cara dele. Hoje sou totalmente
grato a ele. Sem a atitude dele eu jamais teria tomado a decisão que mudou profundamente
a minha vida”, relata.
No
ano 2000 Batista defendeu sua dissertação de mestrado, fruto de 15 anos de
pesquisa sobre a construção da identidade negra nos bailes paulistanos. Em 2006
defendeu sua tese de doutorado que agora chega ao grande público no formato
físico do livro.
A ladeira onde Batista decidiu mudar o rumo da sua vida. Rua São Vicente - São Paulo/SP |
“Operação Salva
Batista”
O
êxito acadêmico não se deu sem percalços. No último degrau para se tornar doutor,
Batista balançou. Seus colegas montaram uma operação de resgate para dar respaldo
na redação final da sua tese de doutorado.
Nenhuma
narrativa escrita substitui o relato em viva voz do Batista sobre a tal
operação de salvamento. Nada supera as modulações da sua voz possante. Nenhum
prazer maior do que ouvir sua explanação explodir em gargalhadas de vigor
vulcânico. Vê-lo rir remete a um trecho do Henry Miller, onde o autor
norte-americano afirma que dos negros provêm “acessos autênticos de riso como
nunca se ouviram de gargantas de gente branca. O negro ri tão facilmente quanto
respira” (The Rosy Crucifixion – Plexus).
De olho no furacão
Batista
teve um estudo seu publicado no Anuário Brasileiro de Segurança Pública,
lançado em 30 de agosto deste ano. O autor debruçou-se sobre as estatísticas
dos homicídios em Tocantins no período de 2014 a 2017. Constatou que o número
de mortes violentas intencionais ali cresceram 12,7% no período. Mortes
causadas por intervenções policiais naquele Estado subiram 1.380% nos quatro
anos pesquisados. Se entre 2014 e 2017 a polícia de Tocantins matou 74 pessoas,
46 delas ocorreram só em 2017.
Além de professor, Batista é Diretor de Cultura da Universidade Federal de Tocantins |
Suburbano coração
Para
o seu mestrado, Batista foi atrás dos sons dos subúrbios. Se embrenhou nos
bailes black. Seu périplo pela periferia me lembra Jorge Luis Borges quando moço,
onde o escritor argentino revela que “en
aquel tiempo, buscaba los atardeceres, los arrabales y la desdicha”.
O
doutorado de Batista veio de outro mergulho nas entranhas da metrópole.
Uma
das suas conclusões foi que “a aproximação entre o PT (Partido dos
Trabalhadores) e o rap [na periferia paulistana] fez com que esses grupos não
sentissem a necessidade de criar nenhuma forma de atuação política alternativa”.
O movimento hip-hop se sentia protegido pelo partido. Cria que o partido podia
resolver todas as paradas. A análise fria de Batista prenunciava uma
advertência diante da ingenuidade política do movimento.
Sintomaticamente,
na noite de ontem o maior nome do rap nacional falou que o PT perdeu a capacidade
de interagir com as periferias. Espetando o polegar no ar, Mano Brown apontou
de costas para membros do PT e seus candidatos a presidente e vice: “O pessoal
daqui falhou e agora vai pagar o preço. Porque a comunicação é alma, e se não
está falando a língua do povo vai perder mesmo, certo?”, pontificou o líder dos
Racionais MC’s.
O
artista se mostrou desiludido com a atuação partidária. “Política não rima, não
tem swing, não tem balanço. Não tem nada que me interessa”, depreciou.
NOITE DE AUTÓGRAFOS
Hip-Hop: Cultura e
Política no Contexto Paulistano (Editora Appris)
De
João Batista de Jesus Felix
26
de outubro de 2018 – sexta-feira, às 19h
Sindicato
dos Professores (APEOESP)
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