Terreno de 869 m² foi vendido seis meses depois de Denise Bolsonaro receber o título de propriedade |
David da Silva
O fato de ser dona de uma rede de lojas de móveis e eletrodomésticos com 14 filiais, não impediu Maria Denise Bolsonaro Campos de ser incluída em uma lista de pessoas sem posses, no município mais pobre do Vale do Ribeira. Em junho de 2015, por meio da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), ela ganhou uma área de 869 m² que pertencia à Prefeitura de Barra do Turvo (SP). Seis meses depois, vendeu o imóvel para o atual prefeito da cidade.
Eu
fui a Barra do Turvo em 17.fev.2019 para conferir pessoalmente essa história
que a princípio me pareceu improvável. O terreno de 869,28 m² fica a 90 metros
da prefeitura. A Fundação Itesp me forneceu a relação das 61 pessoas que
ganharam título de propriedade no dia 26 de junho de 2015; Denise Bolsonaro
estava entre os beneficiados. Tirei cópia da escritura no Registro de Imóveis de
Jacupiranga (SP), sede da comarca que engloba Barra do Turvo.
O
Programa Minha Terra “é voltado a pequenos posseiros da cidade ou do campo que,
devido à insegurança dominial sobre os imóveis que ocupam, convivem com
conflitos pelo uso e posse da terra”.
Por quê uma proprietária de 14 lojas foi aceita nesse programa social como se fosse uma desvalida, é um assunto que as autoridades ainda precisam esclarecer. Denise Bolsonaro não era posseira daquela área com quase 900 m², e nunca morou em Barra do Turvo. O patrimônio dela e José Orestes, com quem se casou em 1980, teve início no município de Eldorado (SP). Há cinco anos Denise se separou, e hoje reside na fazenda de cultivo de bananas de sua propriedade, na localidade Serra do Sidow, em Eldorado. Ela e José Orestes ainda não estão divorciados, e brigam na Justiça pela partilha dos bens. Em janeiro de 2018, ele comprou uma mansão de 20 mil m² em Cajati, e pagou em dinheiro vivo R$ 2,67 milhões (R$ 3,47 milhões hoje, corrigidos pelo IPCA).
“Sem terra” milionária
Pesquisa rápida na Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo evidencia mais o absurdo da inclusão de Maria Denise na concessão de terras devolutas municipais em Barra do Turvo. Foram encontrados no seu CPF 12 imóveis, entre eles uma casa de 762,5 m² em Jacupiranga, um terreno de 190,48 m² em Pariquera-Açu, um terreno de 941,96 m² também em Jacupiranga, e outros imóveis em Itanhaém, Eldorado e Miracatu, todos no Vale do Ribeira.
Política sem tédio
Quando
comprou o terreno que Denise Bolsonaro ganhou da Prefeitura de Barra do Turvo,
o médico Jefferson Luiz Martins ainda não era prefeito daquele município, mas
já tinha ‘rodagem’ na política local. Foi candidato a vice-prefeito derrotado numa
eleição suplementar em 2005, perdeu a disputa de prefeito em 2008, se elegeu
prefeito em 2016, e foi reeleito em 2020 com 208 votos de diferença da adversária
Eliana, que teve 2.407 votos.
Votação
apertada e aborrecimentos políticos não são novidade em Barra do Turvo. Na
eleição do primeiro prefeito em novembro de 1964, houve empate, e assumiu o
mais velho. Em setembro de 2012, a prefeita Rosangela Rosária teve o mandato
cassado por improbidade administrativa. Em maio de 2016, o prefeito Henrique da
Mota Barbosa foi afastado por decisão judicial.
Até na batalha presidencial essa cidade gosta de fortes emoções. No 1º turno de 2020, Haddad ganhou com 1.626 votos contra 1.383 do principal oponente. No 2º turno, Bolsonaro virou o jogo mas teve apenas 44 votos a mais: 1.846 x 1.802.
Barra
do Turvo é o último município paulista pela BR-116 no sentido de quem vai para o
Sul do país. Seu núcleo urbano é enlaçado de um lado pelo Rio Turvo, e do
outro, pelo Rio Pardo. O encontro das duas águas dá origem ao nome do lugar. Na
outra margem do rio, é o Paraná.
O
município está mais perto de Curitiba (83 km) do que da capital São Paulo – a 320
km de distância.
Dos seus 7.659 habitantes, a maioria (4.555) vive na zona rural.
Multiplicação
A rede de lojas Campos Mais teve crescimento vertiginoso a partir de 2005, quando no mesmo ano foram abertas três novas portas, duas delas inauguradas no mesmo dia em duas cidades diferentes – aconteceu o mesmo em 2015. A multiplicação de filiais, no entanto, não chegou a Barra do Turvo, onde a empresária conseguiu tranquilamente se infiltrar em uma lista de pessoas pobres. Nenhum dos moradores com quem conversei soube me dizer quem era ela. Perguntei a um vizinho sobre o dono do terreno na Rua Bertolino Cândido de Abreu; ele disse laconicamente: “É da prefeitura”.
A rede de lojas de José Orestes e Denise Bolsonaro:
Cidade |
Endereço |
Abertura |
Eldorado |
Avenida Marechal Castelo Branco, 311 |
18/06/1986 |
Pedro de Toledo |
Avenida Américo Nicollini, 209 |
19/08/2005 |
Miracatu |
Avenida Dona Evarista de Castro, 238 |
19/08/2005 |
Iguape |
Rua 9 de Julho, 220 |
28/11/2005 |
Jacupiranga |
Rua João Berange Martins, 199 |
31/08/2006 |
Itariri |
Avenida José Ferreira Franco, 367 |
16/10/2007 |
Pariquera-Açu |
Avenida Dr. Carlos Botelho, 652 |
16/10/2007 |
Juquiá |
Rua Martins Coelho, 201 |
12/08/2009 |
Cajati |
Rua Joaquim Seabra de Oliveira, 544 |
18/08/2010 |
Sete Barras |
Rua Castelo Branco, 115 |
11/04/2013 |
Cananéia |
Rua Silvino de Araújo, 221 |
28/04/2015 |
Miracatu |
Rua Tenente José Públio Ribeiro, 130 |
12/11/2015 |
Ilha Comprida |
Avenida Beira Mar, 12.754 |
12/11/2015 |
Jacupiranga |
Avenida Vitório Ongaratto, 816 |
10/07/2017 |
A loja nº 1 em Eldorado (SP) |
Filial de Jacupiranga, uma das 14 lojas no Vale do Ribeira |
Por ainda estar casada no papel, Maria Denise Bolsonaro Campos também tem direito à metade da empresa Campos Incorporadora, Construtora e Administradora de Bens Ltda, criada por José Orestes Fonseca Campos em outubro de 2017, instalada no número 66 da Rua Hum, no bairro Vila Industrial, em Cajati.
Abaixo, situação do terreno em foto de satélite neste ano de 2022:
Nenhum comentário:
Postar um comentário