domingo, 6 de abril de 2025

Como transformar um barranco e uma lagoa em manancial de craques do futebol

Arquibancada foi reformada no início deste ano
Fotos: David da Silva - 29/03/2025
David da Silva

Como bom técnico de futebol, Guima sabe se antecipar aos lances do adversário. Quando cresceu o rumor da desapropriação, ele estava um passo à frente. A Chácara do Jockey, no bairro Ferreira, zona oeste da Capital, seria transformada em parque municipal em troca da dívida milionária do Jockey Clube com IPTU. Era ali que o Clube Pequeninos do Jockey estava instalado desde a década de 80.

“Estávamos muito bem na chácara, mas aos poucos se ouvia um zum-zum, sempre havia a ameaça das autoridades ficarem com a chácara por causa da dívida”, conta José Guimarães Junior, o Guima, fundador do Pequeninos do Jockey, uma entidade autônoma, com CNPJ próprio, mas que leva o nome do clube onde nasceu.

O decreto da desapropriação chegou em 2011. Mas, 21 anos antes Guima já tinha armado a jogada para sair daquela encrenca.

“Em 1990 fui na Administração Regional (hoje Subprefeitura) do Butantã pedir autorização para levar o Pequeninos para alguma área pública”, relata Guima. Um assessor da Regional, conhecido pelo nome Precioso, sugeriu uma propriedade da prefeitura no bairro Jardim Colombo. O Hospital Albert Einstein estava de olho no local para estacionar ambulâncias. Com a ajuda daquele assessor, o pedido do Guima chegou à prefeita Luiza Erundina. “Ela escreveu que entre ambulâncias e crianças, não há dúvida de que o terreno ia ficar com as crianças”, lembra Guima.

 

O Clube Pequeninos do Jockey nasceu na quadra do Jockey Clube de SP, em 1970. Quando passou a atuar no futebol de campo, treinava no Colégio Alberto Torres, na Avenida Vital Brasil, ao lado do Instituto Butantã. Havia um riacho na beira do campo, e quando chovia o treino ficava impraticável.

Depois migraram para locais como o Instituto Ana Rosa; o campo da torre da TV Gazeta, na Avenida Eliseu de Almeida; o Espadinha de Ouro, e também os três campos construídos pelo próprio Guima no 16º Batalhão da Polícia Militar, na Avenida Corifeu de Azevedo Marques.

Ao ganhar a autorização para se instalar no Jardim Colombo, Guima e os seus Pequeninos do Jockey teriam, finalmente, um campo para chamar de seu.

Dos 42 mil m² da propriedade pública do Jardim Colombo, 24 mil m² estavam ocupados pelo Grêmio Rebouças. O restante ocioso ficou para o Pequeninos. “Quando entramos ali, não tivemos boa impressão. O campo do Rebouças fica na parte alta, plana. Nossos 18 mil m², na parte baixa. E bem mais baixa ainda do lado esquerdo, paralelo com a rua. Havia um grande barranco e uma lagoa, com muitos casos de afogamentos”, diz Guimarães.

Primeira providência foi levantar uma casa de caseiro, e colocar nela um soldado da Polícia Militar para afastar ‘visitantes indesejados’: usuários de drogas curtiam a ribanceira abandonada.

Em uma lateral da área destinada ao Pequeninos do Jockey funcionava um clube de malha. Com a ajuda de Miguel, presidente do Rebouças, foi indicado um local bem maior para aquele pessoal fazer sua nova cancha. O diretor da malha criou caso. “Era um português dono de dois mercadinhos, tinha uma caminhonete Chevrolet novinha”, conta Guima. “Mas quando íamos na prefeitura tratar da remoção do campo de malha, ele estacionava a caminhonete bem longe, calçava o seu pior chinelo, e entrava na reunião com cara de coitado”.

O chefe da equipe de máquinas da limpeza urbana, de apelido Carioca, resolveu investigar o assunto. Ao constatar que o português estava usando de malandragem para se fazer de vítima, deu a ele 48 horas para desocupar o espaço.

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Aos poucos o terreno do Pequeninos no Jardim Colombo ia ganhando forma de praça esportiva. Construíram sala de secretaria, diretoria, salão para reuniões e galeria de troféus... Mas para jogar bola, tinham apenas um campo de futebol society.

O barranco e sua lagoa seguiam como espaço inexplorado.

O pai de uma integrante do time feminino tinha empresa de terraplenagem, e aterrou a lagoa.

Começaram a usar o aterro para treinos, mas tinha muitas pedras. E elas ganharam de goleada.

Fizeram muitos mutirões para arrancar as pedras. Quanto mais tiravam, mais tinham pra tirar.

O jeito foi comprar várias viagens de caminhões com terra boa, compactar com rolo compressor, e aí sim, a bola rolou.

A mesma pessoa contratada para beneficiar o campo se prontificou a fazer a arquibancada.

Guima levou para o Jardim Colombo uma estrutura de ferro de 17m x 6m, que havia ganhado de um ex-aluno do Pequeninos, e as telhas da garagem da sua antiga casa na Chácara do Jockey. Com a construção de duas churrasqueiras, sala para biblioteca, cabine de força, depósito e enfermaria, o lugar ficou com aspecto de clube.

Em 25.julho.2008, o então secretário de esportes Walter Feldman inaugurou a iluminação do campo principal.

Ao assumir mandato de vereador em 2009, o dirigente são-paulino Marco Aurélio Cunha destinou verba para dois campos de society com gramado sintético.

Em 20.nov.2021, foi inaugurado o Museu Internacional Pequeninos do Jockey, hoje uma grande atração do Centro Desportivo do Jardim Colombo. O galpão do museu foi construído pelo empresário Edvan Batista Munhoz, um ex-Pequeninos que viajou para a Europa em 1988 na condição de carente. “Foi a maneira com que ele retribuiu o que fizemos por ele na infância”, lembra Guima agradecido.

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Quando o ex-prefeito Fernando Haddad assinou a criação do Parque Chácara do Jockey em 30.abril.2016, ficou acertada a permanência do Clube Pequeninos do Jockey naquele local. “Durante muitos anos fomos os guardiões da chácara, e nada mais justo que ficássemos lá”, diz Guimarães. Mas, com a posse de João Dória na Prefeitura de SP o Pequeninos recebeu uma notificação dizendo que o acordo estava desfeito.

Nos meses seguintes, a gestão municipal passou a autorizar times amadores de adultos a usarem o campo do Pequeninos do Jockey. Inúmeras vezes Guima tinha de interromper os treinos da garotada. Depois, a Guarda Civil Metropolitana disse que tinha planos de ocupar a casa onde funcionava a administração e sala de troféus do Pequeninos. “Tomavam decisões desfavoráveis a nós. Para nos desagradar. Parecia algo programado para nos forçar a desocupar o lugar”, lamenta o veterano conquistador de copas na Europa.

Em 2019, o Pequeninos do Jockey teve de deixar definitivamente a chácara.

Mas Guima já estava dois passos à frente.

Guima no início dos anos 90 no terreno onde viria a construir o campo do Jd Colombo

Criança observa máquinas e caminhões fazendo o aterro da lagoa no início da década de 1990

Pequeninos do Jockey no Jd Colombo - 29.março.2025

Um comentário:

Anônimo disse...

Ola David, ficou muito boa sua reportagem grande Sr. Gulmaraes viva CPJ.
Que trabalho lindo de muitas pessoas Parabens a todos