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segunda-feira, 17 de março de 2008

Poeta é preso em flagrante sorriso

Por Sérgio Vaz

Direto da Folha da Amargura on-line

Neste sábado pela manhã, a tropa de elite do mal-humor, fortemente armada, conseguiu prender o Poeta Augusto, 44, que estava sorrindo, sem autorização, deliberadamente em mais uma manhã terrivelmente ensolarada.
Acusado de Idiota, o poeta foi enquadrado na lei nº777, denominada "Tristeza não tem fim" e imediatamente levado ao Departamento das Caras Amarradas, no Centro das Mágoas, em São Paulo.
O Poeta Augusto tinha acabado de acordar e saiu para uma pequena caminhada, cheio de alegria, conforme testemunhas, e começou a sorrir para todos que estavam em sentido contrário, literalmente. Foi aí que foi abordado por uma viatura que fazia ronda no local.
Antes de fugir trocou olhares sem maldades com a tropa do mal-humor e saiu em disparada pela Rua Esperança. Depois da perseguição com troca de insultos, não por parte do poeta, ele foi preso em flagrante, ainda com duas ou três risadas que iria usar mais tarde.
Ao ser interrogado, Augusto não entregou quem lhe havia fornecido a alegria, e ainda revelou, de forma risonha e irônica, que ele era o dono da boca.
O mal-humor confirmou sua prisão temporária por 30 dias, e que no final da tarde o poeta será transferido para o Presídio de Solidão Máxima, enquanto aguarda o julgamento.
O Secretário Geral das Mesquinharias, Coronel José Bicudo Guerra, 98, informou em entrevista coletiva que o governo vai investir pesado na luta contra o bom-humor, e que dentro de dois ou três anos vai erradicar a alegria do país.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Íntimas e Bêbadas (midraxe hagadá)

Por Marco Pezão

Paula e Andressa cursaram juntas o colegial. Amizade intensa brotou em comunhão. Embora tenham escolhido faculdades diferentes, ambas prestaram o cursinho e optaram pela mesma universidade. Desde essa época tornaram-se cúmplices quanto aos direitos feminis e politicamente exerciam pensamentos esquerdistas, sempre almejando uma revolução; a tomada do poder em prol dos menos favorecidos.
Terminados os estudos, Paula formou-se em Sociologia e Andressa diplomou-se em Direito Criminal. Devido às dificuldades de emprego imediato resolveram lecionar, conseguindo algumas aulas em uma escola na zona leste da capital paulista.
Um dia, num barzinho de classe média, em Pinheiros, conheceram dois amigos também professores. O relacionamento entre os casais acalentou enorme paixão. Depois de certo tempo, noite de sábado, quando reunidos na mesma curtição, como normalmente faziam, o duplo pedido de casamento fez crescer ainda mais o sentimento mútuo.
O consentimento veio selado por beijos apaixonados, porém, uma ressalva ficou esclarecida. Elas exigiam que, ao menos uma vez por mês, teriam liberdade de encontrarem-se sozinhas, resguardando, assim, o direito de mulheres livres e independentes.
O dúplice matrimônio não demorou acontecer, sem pompas maiores. Após a viagem de lua de mel, o prosseguimento das atividades e o bom relacionamento constante davam mostras de planejamento familiar. Os filhos viriam quando a situação econômica estivesse mais sólida.
Passado um ano de feliz convivência e respeito, Paula e Andressa mantiveram o combinado. Com regularidade percorriam a cidade paulistana indo a bairros longínquos, sempre com atenção voltada ao desenvolvimento.
Em certas ocasiões, porém, o empobrecimento que tomou conta da periferia as deprimia. Então, em algum bar distante, desabafavam toda sorte de críticas à sociedade dominante e à política de globalização.
Mas, na maioria das vezes, bebiam pela alegria de viver, e pela felicidade encontrada cada qual em seu marido, que, até então, respeitavam o pacto adquirido. Não sem sentirem uma ponta de ciúmes, pois, claro, tratava-se de duas belas e fogosas mulheres.
Definitivamente, não havia sombra de leviandades nas atitudes. Elas empunhavam a bandeira feminista, sem deixar de serem femininas, e, com certeza, adoravam tomar casualmente um pileque. Um dia, a trajetória às levou para as bandas da Vila Formosa. Por prazer ou depressão, não se sabe, o fato é que as duas exageraram nas cervejas e caipirinhas. As horas passaram e ao se darem conta, os ponteiros do relógio marcavam meia-noite.
Andressa, se dizendo mais sóbria, assumiu o volante do carro. Dez minutos depois, a irresistível vontade de urinar às incomodou em desespero. Decidiram estacionar e aí perceberam que estavam à frente do maior cemitério de São Paulo.
Íntimas e bêbadas caminharam até um portão, ocasionalmente entreaberto. Na escuridão plena, ao lado de um túmulo, desaguaram. Andressa, ao terminar, usou a própria calcinha para se enxugar e limpar os respingos que atingiram as coxas.
Paula, de cócoras, demorou mais no ato e viu a amiga jogar fora a calcinha usada. Sorriu zonza olhando a própria lingerie, lembrando que o esposo adorava essa peça, presenteada por ele.
Então, sobre o mausoléu, pegou uma fita da coroa de flores e secou-se. Abraçadas e desajeitadas foram embora...
No desenrole aconteceu o seguinte. Cedo, por volta das 8 horas, os maridos, enlouquecidos, conversaram ao telefone:
- Alô, Agenor! Pô, acabei! Pô, acabou meu casamento! Andressa chegou em casa de madrugada, embriagada e sem calcinha!
- E eu Carlão, e eu Carlão? A Paula me aparece às duas horas da manhã, com uma faixa presa na bunda escrita assim: Jamais te esqueceremos. João, Paulo, Lucas e toda a turma da faculdade! Cara, não deu pra segurar, quebrei ela de porrada!

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Pra começar bem a semana, 3 "causos" de bar

Uma crônica sentimental de Ignácio de Loyola Brandão, e dois contos com o humor cortante de Aldir Blanc, abrem nosso expediente nesta penúltima semana útil de 2007:

O elegante Bar do Pedro, onde nos formamos

Ignácio de Loyola Brandão

Olhando para trás me lembro de uma coisa curiosa. Nunca vi meu pai em um bar. Nunca soube se por religião, princípio, ou porque achava tolice, perda de tempo, ouvir conversa de bêbado. No entanto, anos mais tarde, quando escrevi meu primeiro livro, Depois do Sol, que se passa inteiro à noite, nos bares, ele leu e me chamou para dizer: "Que vida mais interessante a dessa gente da noite. Quer dizer que os bares são mesmo divertidos?" Mas não lamentou, o tempo passado era tempo passado. De qualquer modo, também nunca disse uma palavra de reprimenda na primeira vez que tomei um porre homérico (expressão daquele tempo, dos anos 50) e cheguei em casa, ele abriu a porta, viu meu estado, ocasionado por um litro de gim, o suficiente para me matar, eu que não bebia. Timidamente, ele confessou: "Não sei o que fazer, não posso te ajudar a resolver, não sei, nunca tive uma ressaca." Quem teve ressaca de gim sabe o que é. Sabe que nunca mais vai colocar uma gota dessa bebida na boca. Quando assisti ao filme Uma Aventura na África (The African Queen), passei mal ao ver Humphrey Bogart emborcando litros e litros de gim pelo gargalo, sem sentir o mínimo efeito.
Se a mulher nunca esquece o primeiro sutiã, um homem nunca esquece o primeiro bar. O meu foi o do Pedro, em Araraquara. Que não era do Pedro, era do Hotel Municipal, o Pedro era um homem alto, corpulento, moreno, educadíssimo, o melhor garçom da cidade, sabia tratar o vagabundo e o grã-fino, ainda que o grã-fino seja mais difícil. O bar do Pedro era antigo, austero, elegante, tinha divisões de madeira, saletas onde as pessoas podiam obter privacidade fechando a porta, resquícios de uma época de fausto que a cidade teve com o café, a estrada de ferro e o comércio. Depois, veio a decadência e um delegado corneado mandou pregar as portas que ficaram definitivamente abertas para evitar sacanagens. Dizem que a mulher dele freqüentava a desoras (expressão da época) as saletas, mandando ver. Não existiam motéis naquele tempo e os hotéis legais não aceitavam casais sem certidão de casamento. Vejam que tempo vivemos! Pensar que suportamos e sobrevivemos.
No bar do Pedro minha turma se reuniu por anos e anos, sempre no mesmo canto, juntando duas mesas. A cidade era provinciana, sem divertimentos, sem graça, nos sentíamos sufocados. Os bares fechavam por volta de onze da noite, menos o do Pedro que ficava até o último freguês. Éramos os últimos e os mais abonados do grupo (cito os nomes em homenagem, porque eu vivia na dureza: Hugo Fortes, Gadelha, Padua e José Eduardo de Almeida) acrescentavam algum por fora para aumentar a gorjeta, compensar tanta paciência.
No bar do Pedro destinos foram traçados. Eu, que ia fazer cinema, acabei escritor. O Zé Celso, que não era o maior freqüentador, mas aparecia, sabia que o advogado acabaria no teatro. O Salinas Fortes tinha na cabeça que a filosofia era o seu mundo e acabou traduzindo Sartre. O Faruk fazia odontologia, mas sonhava ser cantor de boleros. Teve consultório e cantou em cabarés e bares noturnos. Marco Antonio Rocha – outro eventual – fez direito, mas foi para o jornalismo, para a economia e a política, para a televisão. Tudo pensado, conversado, discutido, debatido, gritado no bar do Pedro.
Bebíamos cerveja e chope, coisas baratas. Ainda vigorava aquela história de casco escuro, casco claro, este rejeitado. Marcas? Brahma e Antarctica, nada mais. Ou Malzbier, mas quem queria cerveja de mulher? Quando a angústia pegava, juntávamos doses de genebra. Uísque, nem pensar, era caro, caríssimo, só americano. Old Parr e White Horse eram as marcas cobiçadas, nunca tomadas. Rum era deixado para os bailinhos, misturado com Coca-Cola. Para comer havia salame fatiado, mortadela, azeitonas, tremoços, queijo prato em quadradinhos. Cinqüenta anos depois nada mudou. Quando o dinheiro pintava, vinha provolone à milanesa. Adorávamos gorgonzola, ótimo para preparar o paladar para a cerveja, porém era queijo importado, tínhamos de pegar leve. No fim do ano, Pedro, perfeito anfitrião, oferecia por conta dele rodadas de chope e alguns aperitivos.
O bar do Pedro não existe mais. Um dia, provando a modernidade da cidade, ele foi fechado e transformado em agência da Cometa, dali partiram os primeiros ônibus para São Paulo, fazendo concorrência aos trens. A cidade mudava. Vieram lanchonetes de fórmica, padronizadas, feias, sem graça, vendendo hamburguers, toda comida junkie. Mas o bar do Pedro merece uma placa em Araraquara, na esquina da Rua 3 com a Avenida Portugal, porque várias gerações ali beberam e se formaram na matéria, aprendendo a se comportar, a saber freqüentar, a principalmente respeitar essa honorável e necessária instituição.


Camões naufragou no Adônis

Aldir Blanc

Nas tardes de verão, o Adônis enfrentava calmarias parecidas com as que jogaram Cabral em nossas praias. Um dos donos, o Sr. Arnaldo, saboreava um chope na companhia do Sr. Reis, proprietário da farmácia próxima, que também ficava a ver navios no mar da Zona Norte. Ambos eram portugueses e trocavam, igual figura carimbada, saudades da Terrinha. O Sr. Arnaldo, calmo e bonachão, ria-se muito, ao passo que o Sr. Reis emocionava-se violentamente com as conquistas ultramarinas, com as aventuras e feitos em África, às vezes até ferindo-se com os palitos do queijinho, como se flechas ou lanças o tivessem atingido traiçoeiramente.
Num desses amenos entardeceres cariocas, entre o estridular das cigarras e o bamboleio das suadas morenas regressando ao lar, o Sr. Reis deu um súbito e vigoroso soco na mesa.
- E na literatura, nós, os portugueses, temos o maior de todos! O Maior de Todos!
O Sr. José, garçom do estabelecimento, também lusitano, para profunda contrariedade do Sr. Arnaldo, estranhou:
- Tás a falar de quem, ó pá?
O Sr. Reis tornou-se arroxeado, sugerindo apoplexia a bombordo. Preocupado com a saúde do amigo e sabendo que o que mais dói na alma dos Vates é o esquecimento, o Sr. Arnaldo teve uma idéia que julgou salvadora. Improvisou com uma das mãos um tapa-olho, enquanto com a vista restante piscava para o garçom.
O Sr. José, de início, não compreendeu:
- É cisco? Pisca três vezes e reza uma Ave-Maria pra Santa Luzia.
A essa altura, os instrumentos de bordo prenunciavam tempestade da grossa. O Sr. Reis, sufocado, parecia um crepúsculo nos trópicos, tingido todo de violetas, púrpuras e lilases. Mas graças à Virgem de Fátima, o Sr. José abriu um vasto sorriso:
- Ah, entendi! Tapa-olho! É o Rum Montila!
O Sr. Reis caiu desmaiado.
Diante dos sonoros palavrões do Sr. Arnaldo, o Aureliano, natural de Feira de Santana, que guardava a caixa-registradora, balançou a cabeça:
- Seu Zé acertou de pura cagada, né? Com ele é assim: chuta e vai no alvo! Nem Vavá...


Ajuste Fiscal

Aldir Blanc

Baiano, nosso ministro sem pasta pra sacanagem, deu o alerta:
- Frozô vai aparecer com material novo no pedaço.
Frozô, grande vascaíno e boêmio, cultivava o curioso hábito de exibir mulheres monumentais no buteco onde biritávamos, talvez pelo prazer sádico de nos deixar com água na boca. No mesmo buteco, fazia ponto o Come Quieto, um inimigo mortal do Frozô. Jamais entenderemos porque as mulheres dão pra certos caras!
Come Quieto tocava violão e cantava sambas com bastante sutileza, mas era baixinho, feio e sonso. Quando uma das mulheres do Frozô pedia “Toca alguma coisa pra gente”, Come Quieto era todo modéstia:
- Mais tarde... mais tarde... aqui só tem cobra criada...
Frozô também odiava o fato de Come Quieto ter vários Palitos de Ouro, não se sabe se ganhos honestamente em campeonatos de purrinha ou mandados fazer de vigarice.
E um dia, Frozô apareceu com uma criatura da gente se atirar aos pés dela pra beijar as sandálias douradas. O inusitado é que Come Quieto, escroto como já dissemos, não a olhou uma única vez. Na hora de ir pra outro programa, Frozô contornou a mesa e tacou a mão no focinho do Come Quieto com tanta força que o cara ficou desacordado. Diante da revolta geral, Frozô, com a tetéia recostada em seu amplo colo, justificou o corretivo:
- Pato muito quieto em lagoa, tá a fim do cu da gansa.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Katyane

Conto inédito de HUGUERA

- Ah! Pega uma cervejinha, lá, pra gente ficar mais inteligente, vai? Num é você mesmo quem diz: “Nada como 250 ml de sabedoria”!?
Porra, Katiane, esse cheirinho do óleo que você passa no cabelo me deixa maluco!
- Semente de uva, gatinho... - ela sempre fala... gostosa! Se soubesse o poder que o tal do ólinho de semente de uva tem... viiixi!
- Tá bom, vou lá pegar a cerveja! Mas, só por causa desse seu cheirinho, hein? Digamos que é pelos velhos tempos!
- Semente de uva, gatinho! - E riu gostoso...
- Pra gente ficar mais inteligente... - falei baixinho no caminho pra cozinha. Eu já tô inteligentáááço! É hoje que você vai ver o tamanho da minha inteligência, Dona Katiane, é hoje!
Noooossa Senhora, se eu fosse contar a quantidade de bronha que eu já descasquei pensando na Gostosa da Katiane... o meu conta-giros de punheta dava a volta no mundo!
Nos tempos da escola, pra molecada da turma do fundão, ela era a Katiânus... por motivos óbvios! Para os caras mais velhos, que colavam no colégio na hora da saída, e que gostavam de levar as menininhas pra dar rolê de moto, ela era a Putiane... pura maldade! Para mim, ela sempre foi a Gostosa da Katiane: menina maliciosa e sabedora da sua gostosice! Desfilava com as amigas pelo pátio, na hora do intervalo, sem dar a menor ligança para os moleques que comiam ela com os olhos. E se ria... E a risadinha dizia tudo:
– Podem me comer, cabaçada! Isso... me comam com os olhos, que eu adoro... Mas só com os olhos!
Era a mensagem subliminar. Catorze anos, a sabida da Katiane! Lembro-me de como ficava puto-da-vida imaginando os maluquinhos de moto, só na conversinha mole e no cheiro de gasolina, mandando brasa nas meninas mais gostosas da escola! Na hora da saída, ficar de "H" no portão era a maior neurose! Nunca sobrava nada pra nós! O negócio era ir rasgando pra casa e matar a vontade na mão! E dá-lhe 5x1... só de raiva!
- Posso colocar uma musiquinha, gatinho? - ela gritou do quarto, enquanto eu tirava as cervejas do congelador. - Tim Maia das antigas é tudo de bom!
- Pode, lindinha, hoje você pode tudo! - safado!
O lance da "perda do cabaço" é uma prova de que as mulheres são mesmo superiores aos homens. Porque, salvo raras exceções, as meninas escolhem: o cara, a hora e o local da primeira trepada. "A hora de fazer amor pela primeira vez", me corrigiria a gostosa da Katiane. Pra nós, meninos, o negócio é pegar a primeira louca que estiver disposta, na hora em que ela estiver bem bêbada e no lugar mais escuro e deserto possível. Pronto, agora é só rezar pra ela não vomitar em cima de você e pra não aparecer nenhum estraga-prazeres no local. Rolou? Então, sorte sua! Agora, é só agradecer a Santo Expedito pela graça alcançada!
A minha graça devo à Gorete, prima do Isael, aqui da vila. Chegada num molequinho mais novo, a Gorete! Nos trinta dias de férias que passou aqui, fez o "mutirão arranca cabaço"; e a molecada andava com um sorriso de orelha a orelha! Eu, que era bobo, mas tinha sorte, entrei no meio... literalmente! Adorava um meninho a Gorete! Essa, quando morrer, vai direto pro céu... com certeza! Todo moleque daqui tem uma história dela pra contar... Santa Gorete, padroeira dos cabaços! Fez milagres por aqui! Vou perguntar pra Katiane como foi a primeira vez dela...
O que eu sei, é que logo depois que a gente terminou a oitava série, engravidou de um daqueles carinhas das motos. Esperto pra caramba o maluco! Vivia de conversinha com uns tipos estranhos que colavam por aqui! Na semana, só chegava na área na hora da saída do colégio; e no final de semana, esbanjava dinheiro lá, no Frango Frito. Com os coleguinhas e com Dona Katiane e suas amigas gostosas. A gente, nessa época passava a noite inteira com uma garrafa de vinho comprada no boteco da vila. E se a boa fosse em algum lugar mais legal, o dinheiro só dava para a entrada; o drink da minha rapaziada era água de torneira... sem gelo! Enquanto esperávamos a hora dos ônibus começarem a rodar pra gente poder ir embora, os carinhas das motos já tinham ido ó, faz tempo! Acompanhados, é claro! Cada casalzinho seguia - em uma motoquinha - a caminho do motel mais próximo. O tempo na madrugada é diamante! "Menina de família tem que chegar em casa antes das 5!", era o discurso corrente. Então, a sacanagem tinha que começar mais cedo! Pra eles, fim de noite no motel. Pra gente, fim de noite na casa do Gordinho, jogando vídeo-game e esperando o sol nascer... fazer o quê? Cada um tem o fim de noite que merece!
Ouvi dizer que o pai do filho da gostosa da Katiane morreu numa troca de tiros com a polícia, lá em São Bernardo do Campo. Só sei que sumiu. Sumiu também a Dona Katiane. Com uma barriga de oito meses e fazendo, sabe lá Deus, o que da vida pra sobreviver! Voltou, agora, faz pouco tempo, e dessa vez, com um molecão de dez anos! O tempo não anda de moto, ele voa! Por aqui, a rapaziada cresceu... O Isael casou com a Claudinha e teve um filho. Arranjou emprego no banco e comprou um apartamento bem pequenininho... mas, do outro lado da ponte! O Gordinho se formou em educação física e trabalha fazendo "personal trainning" pra um povo metido a rico que mora no condomínio de casas aqui do lado. O Cacau, o Café e o Nenê morreram, de bobeira. O Bicudo tá preso já faz uma cota, e o Rony, seu irmão, virou crente! Parou de trabalhar na boca e largou a Gaviões... queimou tudo o que tinha do Corinthians! E ora, todo santo dia, pra que o irmão fique preso por mais um tempo. "Assim, ele fica vivo, varão! Porque quando sair, tem um monte de gente querendo a sua cabeça..." Tá até falando difícil o Rony! Você sabe o que é varão? Num vale sacanagem, hein? O Tico trabalha com jogo-do-bicho e a Glendinha se casou com um gringo e foi morar na Suécia. "Lugar frio da porra! Não podia ser em Fortaleza?", diz o Seu Manoel, pai dela. Eu também tive a minha filha, mas não casei, e penei um bocado pra conseguir pagar as contas! A doença da música? Bom, essa não curou, e hoje, eu coordeno a parte de música lá, no Centro Comunitário. A Prefeitura é quem paga o meu salário! Putz! Falando nisso, era hoje a apresentação do grupo de teatro de lá e eu disse que ia, sem falta...
- Até que enfim, hein, gatinho? Metade do CD já rolou e você nem estava aqui pra dançar comigo!, disse a Katiane, já pegando na minha bunda, a safadinha!
- Ô, Flor, é que eu dei uma passadinha lá na sala, pra pegar aquela foto que a gente tirou no dia da formatura, você se lembra? - mulher adora se sentir importante!
- Nooossa! Você tem essa foto, lindo! A gente foi o casalzinho mais bonito da formatura, num foi, Kabê? Ah! Se naquela época eu soubesse das coisas... ái, Kabê, às vezes, eu tenho a impressão de que tomei o ônibus errado na vida, saca?
- Que é isso, bebê, a viagem tá bem longe do final, e além do mais, a gente forma um casalzinho bem mais bonito agora! - agarrei a Katiane, com uma mão cravada no bundão dela e a outra no cangote... agora vai!
– Kabêêêê! - gritaram o Tico, o Gordinho e o Claytão, lá da rua!
– Você ia sair com os meninos? - perguntou a Dona Katiane, com a mão boba cheia...
– É que hoje tinha uma festa lá na sédinha, linda, e eu tinha prometido pra molecada que daria uma passadinha por lá! - falei, assustado. - Mas era só uma passadinha, num pega nada... hoje, a minha presença não é indispensável! - respondi de pronto.
- Então, fala pros meninos que, hoje, num vai rolar... - e a malícia na boca! Ê, Dona Katiane...
Lá vai Seu Kabê pra janela, dizer pros parceiros, gesticulando, como quem corta o pescoço com a mão:
- Rapaziada, mandem um salve pra comunidade... mas é que... hoje não dá!