quinta-feira, 13 de março de 2008

... onde as moças vendiam bebidas e amor...

O cabaré Folies-Bergère foi o mais famoso de Paris, por volta de 1880. Instalado no número 32 da Rue Richer, perto da Rue Bergère, ao lado do boêmio Boulevard Montmartre, era freqüentado por intelectuais e endinheirados. Entre as mesas e em volta do salão, o melhor do mulherio parisiense.
Enquanto prostitutas de altos michês faturavam sobre garanhões burgueses, nos balcões do comércio trabalhavam filhas da classe operária francesa residentes nos subúrbios, ou na zona rural do entorno da capital da França. Estas garotas de origem humilde também eram tentadas a ganhar um dinheiro extra, ao venderem, na linguagem romântica de Guy de Maupassant, “bebidas e amor”. Acalentavam ainda a ilusão de algum freguês ilustre tornar-se seu “padrinho”.
Foi uma destas funcionárias do Folies-Bergère que o pintor Édouard Manet escolheu como modelo, para sua última obra-prima, pintada durante 1881/1882. A garota Suzon não parece ser uma das que mantinham contatos além-balcão com a freguesia. Manet a retrata sem qualquer maquiagem, com uma feição insondável, roupas castas. No canto direito do quadro, você vê refletida no espelho a face de um homem que encara lascivamente a mocinha. Mas Suzon mantém o olhar indiferente ao assédio.
As dependências do Folies-Bergère eram bem diferentes do que aparece no famoso quadro. Havia ambientes separados. Manet, entretanto, valeu-se da licença artística para sintetizar em uma única mirada todo o esplendor daquele templo do prazer etílico e erótico.
No balcão de mármore à frente de Suzon, champanhes, menta, e cerveja inglesa vermelha muito consumida na época, identificada pelo triângulo rubro do rótulo. Ali também repousam um jarro com flores desmaiadas, e uma travessa com brilhantes tangerinas. O bar só é visto pelo espelho atrás da garçonete.
No canto superior esquerdo, aparecem as botas verdes de uma mulher. Trata-se da artista americana Katharina Johns, que fazia números sensuais sobre o trapézio. Neste mesmo lugar, Charles Chaplin apresentou-se no início da carreira. Mas o público esnobe não mostra interesse pelos artistas. Estão ali para verem e serem vistos. Ao lado da mulher de vestido branco, uma garota aponta seu binóculo para outras mesas. A mulher de branco era Méry Laurent, uma prostituta de luxo amiga de Manet – era mantida por um dentista americano que lhe enviava 15 mil francos por mês. Atrás dela, de bege, a atriz Jeanne de Marsy, também convidada pelo pintor para compor a tela.
Manet foi acometido pela sífilis que o paralisou parcialmente, obrigando-lhe a amputar a perna esquerda dias antes de morrer, aos 51 anos. O artista viveu seus últimos meses entre dores lancinantes e a compulsão de pintar. Não conseguia permanecer em pé por mais de 10 minutos. O últimos quadros foram pintados com Manet deitado num sofá. Por isto, suas telas derradeiras tinham um formato menor.
O quadro do Folies-Bergère, com 96cm x 130cm, foi concluído no estúdio, para onde Suzon sempre ia acompanhada do namorado.

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