quarta-feira, 16 de julho de 2008

A Estrela do Subúrbio

Você, que também é maloca, sabe que em quase todas as rodas de samba alguém engata o famoso refrão “Madureira chorou / Madureira chorou de dor”. Quando a roda é “de responsa”, e os corações já vão amaciados destilados e fermentados, é inevitável que os circunstantes cantem emocionados o lendário samba-enredo: “Brilhando no imenso cenário / Num turbilhão de luz...
Só que boa parte das pessoas sequer imagina por quem Madureira chorou, nem que a Estrela do Subúrbio era de carne – aliás, muuuita carne!... e osso.
A vedete Zaquia Jorge era uma das garotas mais afamadas dos cassinos e boates do Centro e da rica Zona Sul do Rio de Janeiro, na década de 1950. Além dos palcos do rebolado, Zaquia também brilhava nas telas do cinema.
Só que nas veias da colossal morena, corria o sangue árabe. E ela farejou bons negócios fora dos bairros boêmios e burgueses cariocas. Zaquia juntou todo o dinheiro ganho com o rebolar de seu corpo monumental, cercou-se de colegas igualmente cheias de curvas, e se mandou para o subúrbio da Cidade Maravilhosa.
Chegando na estação de trem de Madureira, ela decretou: “É aqui!”. No dia 22 de abril de 1952, abriu as portas do seu Teatro de Revista Madureira. A periferia se alvoroçou. A beldade faturou alto com sua platéia sempre lotada de marmanjos.
Porém, e como dizia Plínio Marcos “sempre tem um porém”, numa bela 2ª-feira (dia de folga para os artistas) Zaquia Jorge foi com umas amigas de palco banhar-se na praia da Barra da Tijuca, até então um local selvagem e deserto.
Era o dia 22 de abril de 1957, exatamente cinco anos depois que o mulherão inaugurou o primeiro teatro de revista para as classes populares. As águas do mar tragaram o corpo da famosa vedete, que morreu afogada aos 32 anos. Deixou órfão seu filho Humberto, de 12 anos.
A edição do jornal O Globo, em 23 de abril de 1957, contou que até o presidente da República da época quis ir ao enterro – não o fez preso a compromissos do cargo. Mas o povão foi em peso prantear sua deusa do subúrbio. Afinal, era para a gente humilde que a gloriosa vedete mantinha seus espetáculos a preços populares. Cerca de 4 mil pessoas fizeram fila para entrar no teatro de Zaquia, onde seu corpo foi velado no palco. Ela está enterrada no Cemitério São Francisco Xavier.
Tempos depois, o Teatro de Revista Madureira foi rebatizado com o nome da musa. Mas logo depois fechou suas portas, talvez ressentido pela falta da sua estrela maior.
É por causa desta famosa estrela do teatro do rebolado que se fizeram os sambas antológicos citados na abertura desta postagem:

Madureira Chorou
(de Carvalhinho e Julio Monteiro, gravado por Joel de Almeida no Carnaval de 1958)

Madureira chorou,
Madureira, chorou de dor,
Quando a voz do destino,
Obedecendo ao divino,
A sua estrela chamou.

Gente modesta,
Gente boa do subúrbio,
Que só comete distúrbio,
Se alguém menosprezar,
Aquela gente,
Que mora na Zona Norte,
Até hoje, chora a morte,
Da estrela do lugar

(este samba ganhou uma versão francesa - Si tu vas à Rio, de Jean Broussolle. Entrou para o filme "Le Bal", de Ettore Scola, como uma das composições mais representativas dos anos 50)

Estrela de Madureira
(Acyr Pimentel & Cardoso)

Brilhando
Num imenso cenário
Num turbilhão de luz, de luz
Surge a imagem daquela
Que o meu samba traduz
Ah...
Estrela vai brilhando
Mil paetês salpicando
O chão de poesia
A vedete principal
Do subúrbio da
central foi a pioneira

E...
Um trem de luxo parte
Para exaltar a sua arte
Que encantou Madureira
Mesmo com o palco apagado
Apoteóse é o infinito
Continua a estrela
Brilhando no céu


(este samba-enredo foi derrotado no concurso da Império Serrano em 1975. Venceu o samba Zaquia Jorge, Vedete do Subúrbio, Estrela de Madureira, composto por Avarése, codinome do músico pernambucano Abimael Nascimento Álvares, radicado em Madureira. Mas, cá pra nós, quem se lembra deste samba vencedor? Quem ficou eternizado foi mesmo Estrela de Madureira)
Estrela de Madureira, com o grupo Passagem de Nível


Veja aqui Zaquia Jorge em trecho do filme A Baronesa Transviada, de 1957, onde contracena com Dercy Gonçalves.

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