quarta-feira, 11 de março de 2009

Um giro pelos bares do Largo do Taboão antigo

Vamos fazer um passeio virtual pelos lugares onde se bebia e comia na década de 1960 no Largo do Taboão. O advogado Armando_Andrade (à direita em foto de Edu Toledo) será o nosso guia. Nossa cidade dava seus primeiros passos pós-emancipação. E por estranha ironia, naqueles primórdios havia abundância de opções no Largo. Hoje, apenas a Padaria Celeste resiste, mas já mutilada, sem rasto do que foi o glorioso comércio onde o taboanense ia buscar seu pão de cada dia, e sintonizar-se com os assuntos locais.
Já que o passeio é fictício, vamos situar-nos em um domingo imaginário (adiante você saberá o por quê). Façamos nosso giro no sentido anti-horário (no final da ronda você entenderá este outro por quê).
1 – Vamos começar pela lendária Venda do ‘seo’ Zeca (Veja fotos do local
aqui). Eu sou louco, alucinado, angustiado para “entrar” nesta venda, ouvir as histórias grudadas nas suas paredes mudas, sentir o cheiro das prateleiras, dos balcões, garrafões, barris, sacos e latas de mercadorias... Infelizmente, todas as fotografias que disponho deste mítico ponto comercial são fotos externas. Quero fazer a reconstituição desta venda com a ajuda de seus antigos fregueses.
Leia o que diz Armando Andrade: “A Venda do ‘seo’ Zeca era a mais antiga e famosa de todas. Ali se bebia cachaça da boa, e se comprava fumo de corda para os cigarros de palha de milho. E havia ainda as deliciosas histórias do dono da casa”.
‘Seo’ Zeca, além de excelente contador de “causos” era organizador de romarias para
Pirapora do Bom Jesus. O venerável comerciante foi a segunda pessoa a assinar o requerimento para elevar Taboão da Serra à categoria de município. Como reconhecimento, o povo o elegeu vereador, e ele chegou a assumir interinamente o posto de prefeito por 30 dias, quando Laurita se licenciou do cargo no final de 1968. ‘Seo’ Zeca morreu tragicamente, ao sair de casa a bordo de sua charrete e ser atropelado por um caminhão na BR-116, no local da atual Faculdade Anhanguera.

2 – Nossa segunda parada será no Bar do ‘seo’ Mané – onde hoje é o estacionamento do hipermercado Extra. Vou tirar “a poeira das reminiscências” e agir como se estivéssemos lá, de corpo presente. Armando Andrade nos aponta a farta petisqueira do boteco. “Aqui tem canja de galinha caipira, pedaços de frango à milanesa, contra filé...” Além dos saborosos petiscos, tem a famosa pizza do Mané. Fala Armando Andrade: “A preferida do pessoal é a pizza portuguesa. As vendidas para viagem têm direito a caixa de papelão envolta em papel manilha rosa amarrado com barbante. É pizza pra ninguém botar defeito”.
Agora que já estamos no segundo bar, com algumas doses tomadas de pé diante do balcão imaginário, já estamos mais à vontade diante do nosso anfitrião. Armando Andrade é um senhor de 68 anos, ex-vereador e prefeito da cidade por duas vezes. Mas já tomo alguma liberdade:
- Vamos atravessar a estrada, Armandão? -, pergunto folgado, colocando-lhe a mão no ombro robusto.
A tal estrada é a atual BR-116, na época chamada BR-2 e com apenas uma pista de mão dupla.

3 – A terceira escala é o Bar do Souto, ao lado da Padaria Celeste. “Quem comanda aqui é o português Antonio, apelidado de Grosso”, explica Armando. O boteco é bastante concorrido. E hoje está lotado de homens com uniformes do Municipal Futebol Clube, clube de várzea de Taboão da Serra nos anos 60. Como eu já disse, estamos num domingo imaginário. Os homens estão muito alegres: o Municipal venceu, e a cerveja sai ligeira da geladeira, salta o balcão e escorre abundante pelas gargantas sequiosas dos atletas de fins de semana. “Nestes dias de vitória, é uma festa só. Não tem carne e cerveja que chegue. E é tudo por conta do Grosso, pois ele ajuda a sustentar o time”.
Uma pessoa sai do bar para buscar mais carne. “Ela deve ir ao Açougue do ‘seo’ Longo, aqui mesmo no Largo do Taboão, ou então ao Açougue do Mário e do Carmo, lá na Rua João Santucci”, ensina Armando Andrade.
Como já estou com fome e sem paciência de esperar a nova remessa de churrasco, pergunto ao Armandão onde “fazer uma boquinha”. “Você nunca comeu um sanduiche de pernil igual. Vem comigo”, diz ele, e entramos no comércio ao lado.

4 – A Padaria Celeste reinou absoluta, única na cidade por quase metade da década de 1960. “Muitos a chamavam de Padaria do Bigode, referência ao português Antonio Soares de Azevedo. Bigode tocava a panificação com seu patrício e sócio Germano Correa de Miranda”, conta nosso guia. (Quando Armando cita o nome do ‘seo’ Germano sinto um arranco no peito; tive a infelicidade de estar na padóca na tarde em que ele morreu minutos depois de vir me cumprimentar no balcão).
Prossegue Armando: “Nesta época que estamos visitando numa viagem pelo túnel do tempo, as pessoas consumiam muito o filão de pão – que depois seria substituído pelo pãozinho. A Padaria Celeste teve o melhor filão de pão de toda a região. Sem contar os deliciosos doces, bolos e confeitos para festas feitos pelo Manoel da Nova” (este confeiteiro criou em 1956 a
encenação ao ar livre da Paixão de Cristo em Taboão da Serra, três anos antes da emancipação da cidade).
“Mas o maior sucesso da Padaria Celeste era o sanduíche de pernil acompanhado de delicioso molho de tomates, cebolas e pimentões. Todos adoravam”, relembra o ex-prefeito.

5 – Saindo da padaria, vamos entrar na primeira à direita – Rua José Soares de Azevedo. Vamos até a Casa Victória, do gentil casal de japoneses dona Kikue e ‘seo’ Yuki Tiba. “Aqui era o nosso supermercado”, revela Andrade. “Tinha de tudo, desde linha e agulha para costura, vinho vendido em litro e em garrafão, e até o Cinzano que não era muito comum nos comércios de subúrbios da época. Os preços eram os melhores do pedaço, mas o que ajudava mesmo era a caderneta para pagar mensalmente”.
Quando eu olho hoje para a fachada destroçada da Casa Victória me emociono ao saber que ali se vai bom pedaço da história. O dinheiro ganho atrás daquele balcão pagou os estudos de um dos maiores valores da cultura brasileira: o psiquiatra
Içami Tiba, autoridade em psicologia infanto-juvenil, filho de dona Kikue e do honorável senhor Yuki Tiba. Foi a senhora Kikue quem gravou no mármore os dizeres do Monumento ao Imigrante Japones em Taboão da Serra.

6 – Vamos encostar o umbigo no último balcão da nossa jornada. “Era outro point da época”, conta Armando. “O Bar do Meia Viagem, ao lado da antiga Igreja de Santa Terezinha, era pequeno mas muito movimentado. O danado fazia um churrasquinho no pão que não tinha igual...”, recorda.
Como vocês devem ver no horário desta postagem, são seis horas da tarde, a famosa “hora da Ave-Maria” - por isto este périplo etílico-gastronômico foi anti-horário. A igreja é vizinha do nosso derradeiro boteco. Vou pedir a Santo Onofre, protetor dos frequentadores de bares, que tenhamos todos uma boa noite.

(Esta postagem foi redigida com base na crônica de Armando Andrade Taboão da Serra do Meu Tempo, capítulo 58 - Gazeta do Taboão, edição nº. 1.885 de 19.fev.09, página 2).

5 comentários:

Anônimo disse...

FALTA O BAR DO ELPIDIO

David da Silva disse...

Está anotado, amigo.
Vou consultar o "pessoal da antiga" sobre o Bar do Elpídio para incluir nesta crônica.
Ou você mesmo poderia me mandar um e-mail com a sua colaboração sobre este bar.
Meu e-mail: davidtaboao@yahoo.com.br

Anônimo disse...

QUE HISTORIA É ESSA ,DE ARREPIAR O PEITO , POIS É HOJE APOS TUDO ISSO, VENHO POR MEIO DESTA TE INFORMAR QUE A PADARIA CELESTE,
ESTA CADA VEZ MELHOR QUEM ASSUMIU A TIROU DE UM BURRACO RUMO AO SUCESSO,,,,,É UM RAPAZ JOVEM QUE PARECE TER O FILIN DO NEGOCIO CADA DIA QUE VOU LÁ TEM UMA NOVIDADE, E O PREÇO É MUITO ATRATIVO,,,QUE ELE NÃO SE VENDA PARA A MAFIA DAS PADARIAS,QUE O CERCÃO,,,,,BOA SORTE,
,,,,,,,,,,,,,,QUERIA SABER MAIS SOBRE ESTE JOVEM DESTA PADARIA,,
PARECE SER UM GUERREIRO,,
PARA PEGAR AQUELA PADARIA DA NOSSA HISTORIA DAQUELE JEITO E FAZER O QUE ELE ESTÁ FAZENDO

Carlos Silva disse...

Num desses bares da vida, a gente volta se encontrar meu amigo.

Quero fazer umas cantorias em TS. Vamos afinar as conversas...

Bernardo Camblor disse...

O BOM PRATO, na minha opinião o bar mais democrático que já existiu, frequentando por professores, intelectuais, operários etc.