quarta-feira, 27 de maio de 2009

Réquiem para os campinhos extintos...

Ficava no Jd Beatriz o último campinho de futebol na beira de corredor com grande fluxo de trânsito em Taboão da Serra. Em breve será um posto do INSS. A molecada vai ter de arranjar outro lugar para suas peladas.

Aquele campinho já fora ameaçado de extinção em 1990, quando o ex-prefeito Armando Andrade quis erguer ali a unidade de saúde para a região do Jd Helena. Eu trabalhava na Câmara na época. Me juntei ao meu amigo Daniel Castro, fizemos um fuzuê pelo jornal – mostrando que o terreno estava inadequado para a construção – e o campinho escapou.

Agora, não teve jeito. Se clicar na foto (de Allan dos Reis) você verá que uma das traves resistiu bravamente, e foi a última a tombar antes da construtora instalar o canteiro de obras.

Em honra a estes campinhos esmagados pela ocupação urbana/desumana sirvo no balcão imaginário texto do poeta Robinson Padial, o Binho. Ele soube como poucos botar no papel o pranto da gurizada quando perde seu espaço de sonhos entre uma trave e outra.

"Ainda não sei quem sou, mas o meu nome me chama de Robinson, que diz que quer dizer “filho de Robin”, embora meu pai se chamasse Joaquim.

Meu apelido vem da forma carinhosa dimãenutiva quando ela me chamava do campinho que ficava em frente da nossa casa, o qual era minha primeira casa até a luz do dia fugir inteira.

- Robiiiiiiiiiiiiiinho, mãe chamava, nas horas dela, d’eu vir pra dentro. E eu tardava a retornar, do estádio mais saudoso que o Morumbi não viu. E o eco desse Binho ficou lá, parado no meio daquele chamamento de minha mãe.

Naquele campinho de gols, de gol a gol; quando havia poucos para tratar de bola. Naquele que era o nosso, que os buracos eram nossos, de poças rasas; mas profundas na memória, que quando chovia era uma festa de sujação, mães e mãos bravas nos tanques, por isso era melhor jogar as peladas quase pelados, bolas de capotão. E quem era o capitão? Nem existia isso não, e o jogo era jogado, ganhado ou perdido às regras nossas, fifas nenhumas, muitos chapéus, poucos bonés, nenhum cartola.

Aquele campinho que ganhei um prego no pé, e que quase me tetanei. Aquele de correrias, pega-pegas cambalhotas e pipas, poucas pipas muitas bolas. Aquele que mil gols eu fiz sem Romário existir, e que Pelé eu vi, nos braços de minha mãe, mas dentro do Morumbi. Aquele de gandulas; de quem ficava para próximo; em dias mais concorridos ou férias, tínhamos pressa, tempo era gol. Aquele de goleiros frangueiros, posição pouco aceita e despopularizada entre nós, época que a seleção atacava e os artilheiros estavam em alta, ficar no gol era quase uma punição, e poucos se prestavam a agarrar as bolas, a posição era disputada no “dois ou um”, e ser artilheiro nesses casos, era obrigação. Aquele campinho de galinhas e seus pintinhos que ciscavam por ali, e que vez ou outra uma bola perdida depenava um futuro frango. Que no primeiro tempo era uma descida, e no segundo tempo era subida, quando havia tempos.

De traves feitas do que dava, sem redes, de muitos gols duvidáveis mas inexplicáveis, formidáveis, goláveis.

Aquele campinho, onde todos saíram vitoriosos, e que nunca nenhum ser humano amanheceu morto por ali. Tempos que não cuidavam dessas desovas.

Aí vieram o asfalto, os carrinhos de rolimã, carros carros carros, os prédios, todos os bancos, as delegacias, os puteiros e a Casas Bahia. E o campinho também se tranformou. Hoje ele é apenas um desmanche de carros depenados e apreendidos pela 37 DP."


Trecho extraído da crônica Binhografia Inacabada, páginas 84 a 86 do livro Donde Miras - Dois Poetas Um Caminho, de Binho e Serginho Poeta - edição bilíngue. São Paulo: Edições Toró - 2007. e-mail: abcbinho@yahoo.com.br

Um comentário:

Anônimo disse...

Acho que devemos reabrir o caso ciclovia da morte, que foi supostamente construida no Jd. América e região.