segunda-feira, 1 de junho de 2009

O dia em que a Força Aérea Brasileira atacou o Brasil

Mais um episódio da História do Brasil que não nos ensinaram nos bancos escolares

Sertanejos nordestinos sobreviventes do massacre dos aviões da FAB no Ceará



David da Silva

Neste mês de maio, fez 73 anos da primeira vez que civis brasileiros foram mortos pela aviação militar de seu próprio país.
O massacre ocorreu no dia 11 de maio de 1937 na região do Crato, no sul do Ceará. As vítimas: camponeses da comunidade Caldeirão de Santa Cruz do Deserto. Ali morreram 700 pessoas. Nenhum soldado morreu.
A ordem para abrir fogo das metralhadoras dos aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) contra os lavradores partiu do general Eurico Gaspar Dutra, então ministro da Guerra do governo Getulio Vargas.
A comunidade agrícola-religiosa era liderada pelo beato José Lourenço. Paraibano, José Lourenço decidiu mudar-se para Juazeiro do Norte (CE). Lá conheceu Padre Cícero, e caiu nas graças dele. Logo o beato arrendou um lote de terra, onde se instalou com alguns romeiros. A produção de frutas e cereais cresceu rápido. Os plantadores dividiam tudo entre si, em partes iguais.
Cova coletiva dos massacrados no Caldeirão - Ceará
Padre Cícero mandava para as terras de José Lourenço ladrões, prostitutas, assassinos e todo tipo de “vidas-tortas”. O beato os "consertava" fazendo-os trabalhar da manhã à noite, em meio a muitas rezas.
A cada melhora na comunidade de José Lourenço, crescia a ira dos políticos e fazendeiros da região. Em 1921, conseguiram prendê-lo, acusando-o de fanatismo e adoração de animal como objeto de culto religioso. O bicho não passava de um boi, chamado Mansinho, dado de presente por Delmiro Gouveia ao Padre Cícero, que o deixou aos cuidados do beato. Os donos das terras acusaram o beato de atribuir poderes milagrosos às fezes e urina do boi. Mataram o animal e forçaram Jose Lourenço a comer sua carne.
As humilhações e maus tratos sofridos na prisão aumentaram a devoção do povo com o beato.

“Tudo era de todos”
Em 1926, José Lourenço mudou sua comunidade para a Fazenda Caldeirão dos Jesuítas, pois a antiga terra que ocupava fora vendida. Foi na fazenda Caldeirão que o beato fundou sua Irmandade de Santa Cruz do Deserto. De novo, o trabalho agrícola prosperou logo. Além de alimentar toda a comunidade, sobrava para abastecer toda a região do Crato e Juazeiro. Tanto os produtos colhidos quanto o lucro obtido com a venda dos excedentes, eram divididos em partes iguais. Apesar de analfabeto, Jose Lourenço tinha talento para dividir tarefas e ensinar medicina caseira.
Em 1932, o Governo do Ceará criou campos de concentração para os flagelados da seca. A intenção era manter os famintos e sedentos longe de Fortaleza, capital do Estado. Nestes lugares, severamente sob os fuzis das sentinelas, morria gente feito moscas. Quem conseguia fugir, ia para o Caldeirão. Ali, a fartura nunca acabava, graças ao sistema ecológico do plantio e técnicas de conservação de água, com construção de microbarragens. 
A Irmandade de Santa Cruz do Deserto crescia, e a ira dos latifundiários, também.

Com a morte de Padre Cícero em 1934, José Lourenço perdeu seu grande aliado e defensor. Era a chance que os poderosos esperavam há anos... 
Começaram a comparar o Caldeirão a Canudos, e a dizer que Jose Lourenço adotara o regime comunista com seus romeiros.
Em 9 de setembro de 1936, um batalhão da Polícia do Ceará expulsou o povo do Caldeirão e queimou suas 400 casas. Os sobreviventes fugiram para o mato, onde se reagruparam.

Ao invés de bênçãos, balas caíram do céu
No ano seguinte, um incidente serviu como sentença de morte para a comunidade do Caldeirão. Um capitão da polícia militar e quatro soldados morreram em uma escaramuça com membros de uma facção da Irmandade.
Dias depois vinha a ordem do Governo Federal para o massacre final. O general Dutra liberou 200 soldados por terra, e três aparelhos de guerra do Destacamento de Aviação. As metralhadoras da FAB despejaram chumbo quente sobre os colonos indefesos.
José Lourenço refugiou-se em Exu, no Pernambuco, onde morreu em 1946 de peste bubônica. O povo carregou seu caixão por 70 quilômetros a pé, até Juazeiro. Os padres negaram-se a celebrar seu funeral. Os fiéis seguidores então o enterraram no Cemitério do Socorro.

Pacto de silêncio
“Foi uma coisa tão triste, que minha memória esqueceu”. Assim disse o lavrador aposentado João Batista de Morais ao repórter Paulo Mota, da Folha do Ceará, em entrevista realizada em fevereiro de 1998. “Já sofri muito, meu filho”, emendou a também aposentada Alexandrina Tavares de Líria, com 81 anos quando a reportagem foi publicada. “O que posso dizer é que Caldeirão foi um sonho que passou e nada mais”.
Até hoje este episódio sangrento não é incluído nas aulas de História do Brasil.
Em 1986, o cineasta Rosenberg Cariry lançou o documentário longa-metragem Caldeirão de Santa Cruz do Deserto.
Em setembro de 2008, a organização não governamental SOS Direitos Humanos entrou com ação contra o Governo Federal e do Ceará, exigindo que o Exército indique o local exato da vala comum onde foram jogados os corpos das 700 vítimas do genocídio brasileiro. Exige ainda a exumação e identificação delas por DNA, enterro digno, e R$ 500 mil de indenização para seus familiares.
Se você conhece algum descendente de pessoas que viveram essa trágica passagem, faça contato com o advogado Otoniel Ajala Dourado, diretor da SOS Direitos Humanos e membro da comissão de Defesa e Assistência, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE).
(85) 8719.8794 e 8613.1197
O que diziam os jornais da época
(Clique na imagem para ampliar)

2 comentários:

Tadeu disse...

Isso é monstruoso!
E absurdamente mal divulgado.

Carlos Silva disse...

Quantas outras coisas assombrosas,estão ocultas em.poroes de silencios
Isso.parece-me o HOLOCAUSTO HITLERANO em.pleno Brasil...