Se for escrachar, faça-o com engenho e arte

Quando é lição de esculacho,
Olhaí, sai de baixo,
Que eu sou professor
Chico Buarque – Ruy Guerra

Um amigo meu (desses que o Aldir diz ser o espelho “onde melhor conheci minha face”) me mandou o link pro vídeo de uma banda escrota com um rock tosco chamando papai noel de féladaputa.
Nem cliquei naquela bost bobagem. Mas a provocação teve o mérito de me lembrar de duas obras de arte, verdadeiramente artísticas, sobre a desmistificação do Pai Natal, como o "velhinho" é chamado lá na terra de Fernando Pessoa.
Em 2001, esta deliciazinha aí da foto à direita, a artista sérvia Biljana Djurdjevic, pintou o óleo sobre tela The Last Days of Santa Claus. A bela e belicosa pintora nasceu há 36 aninhos em Belgrado, capital da Sérvia.
Não há mito do nosso tempo que sobreviva às pinceladas violentas de Biljana. O “bom velhinho” é só mais uma de suas vítimas....
Na poesia, considero como um dos mais demolidores de noel os versos do escritor norte-americano Charles Harper Webb. Não sei o ano em que foi escrito The Dead of Santa Claus. Só sei que Charles Webb é super premiado em sua terra, é professor de inglês na Universidade Estadual da Califórnia, e psicoterapeuta em Long Beach, onde mora.
Antes de ser professor universitário, foi guitarrista de rock por 15 anos.
Para o poeta e ensaísta Edward Hirsch, a poesia de Charles Webb “tem uma energia selvagem inventiva, um humor peculiar, por vezes, e mesmo maníaco”.
Abra uma garrafa de vinho e leia este poema em voz alta.
Pra quem é monoglota feito eu, adianto que os versos dizem mais ou menos o seguinte: Papai Noel sentiu dores no peito durante uma semana. Mas os médicos não atendem chamadas de casas do Polo Norte. O cartão do convênio médico de Noel tinha caducado, e ele chegou a desmaiar quando foi fazer exame de sangue. No hospital ele pensa que a dor no estômago é simples indigestão. Até que um dia, alimentando as renas, sentiu como se um punho monstruoso agarrasse seu coração, e não parava de apertar. Sufocado, ele vê seu belo mundo branco se tornar preto, e cai de barriga na neve gelatinosa. A senhora Noel sai correndo em lágrimas da fábrica de brinquedos, e os elfos ficam torcendo as mãozinhas, enquanto o nariz de Rudolph pisca feito uma ambulância triste. Em Houston, no Texas, há uma casa com luz acesa. O menino de oito anos ouve sua mãe falar que as crianças da escola estão dizendo que Santa Claus é uma farsa. Ela senta-se ao lado do filho no sofá estampado com florzinhas roxas; pega na mão da criança, com lágrimas na garganta, e ele vê a terrível notícia crescendo nos olhos dela.
Bonito pra cacête, nénão???
Com uma beleza de poesia desta, quem precisa sujar os olhos e os ouvidos com vídeo de música punk?

The Dead of Santa Claus

Charles Harper Webb

He's had the chest pains for weeks,
but doctors don't make house
calls to the North Pole,

he's let his Blue Cross lapse,
blood tests make him faint,
hospital gown always flap

open, waiting rooms upset
his stomach, and it's only
indigestion anyway, he thinks,

until, feeding the reindeer,
he feels as if a monster fist
has grabbed his heart and won't

stop squeezing. He can't
breathe, and the beautiful white
world he loves goes black,

and he drops on his jelly belly
in the snow and Mrs. Claus
tears out of the toy factory

wailing, and the elves wring
their little hands, and Rudolph's
nose blinks like a sad ambulance

light, and in a tract house
in Houston, Texas, I'm 8,
telling my mom that stupid

kids at school say Santa's a big
fake, and she sits with me
on our purple-flowered couch,

and takes my hand, tears
in her throat, the terrible
news rising in her eyes.