quarta-feira, 1 de maio de 2013

Aqueles meus parentes na carta do Pero Vaz

Foi exatamente num dia 1° de maio, lá no ano de 1500, que o escrivão Pero Vaz de Caminha deu por encerrada sua Carta, revelando tudo o que viu e ouviu por aqui.
Foi o primeiro repórter a colocar os pés no Brasil.
Numa verdadeira aula de ética jornalística, ele garante que em sua crônica de viagem “certamente nada porei aqui para embelezar ou tornar feio”.
Pero Vaz arrebata a simpatia do leitor com elegante modéstia. No primeiro parágrafo, ao se propor dar “notícias do achamento desta terra nova, farei como melhor me for possível, ainda que para o bem contar e falar, eu me saiba o pior de todos”.
A riqueza de detalhes que Pero Vaz imprime no seu relato é tanta, que ao final da Carta ele até se desculpa: “Se me alonguei um pouco, me perdoe. Porque o desejo que tinha de tudo Vos dizer, me fez pôr assim tudo pelo miúdo”.
Na reportagem escrita em sete folhas de papel, o escrivão se revelou um intelectual honesto, ao dizer que ao fim dos primeiros 10 dias de convivência “eles [os índios] estavam já mais mansos e seguros entre nós do que nós estávamos entre eles”.

“Não se misturem!”
Mas não foram todos os índios que se entregaram assim numa boa ao contato com os marinheiros portuguêses.
Observador arguto, penetrante, Pero Vaz identificou no meio da multidão de índios um sujeito arredio. Enquanto seus conterrâneos se misturavam aos estrangeiros, este índio esbravejava como quem diz: “Voltem para cá. Não se misturem com eles!”.
Vai aí o trecho do relato, seguido da grafia da época, quando se praticava a escrita fonética:
“Andava entre eles um que falava muito com os outros que se afastassem. Mas a mim não parecia que fosse muito acatado e temido. Este que assim os estava afastando trazia seu arco e flexas. Estava tinto de tintura vermelha pelos peitos e espáduas e pelos quadris e pernas até embaixo. E a tintura era tão vermelha que a água não a comia nem desfazia. Pelo contrário. Quando saía da água parecia mais vermelha”. - NO ORIGINAL: “amdaua hy huű que falaua muito aos outros que se afastasem mas nõ ja que mamym parecese que lhe tijnham acatamëto në medo. este que os asy amdaua afastando trazia seu arco e setas e amdaua tj mto de timtura vermelha pelos peitos e espadoas e pelos quadriis coxas e pernas ataa baixo (...) e a timtura era asy vermelha que a agoa lha nom comya nem desfazia, ante quando saya da agoa era mais vermelho.”
Pela minha natureza arisca, tenho certeza que aquele índio embirrado é meu ancestral.

Formosuras da terra
Depois de 10 dias aqui (de 22 de abril a 1° de maio) os desbravadores lusitanos levantaram âncora, rumo à Índia. Largaram na terra desconhecida dois sujeitos condenados à morte por crimes cometidos em Portugal, cuja sentença foi aliviada para o degredo.
Mas poucos se lembram que, além dos dois desterrados, outros dois marinheiros ficaram aqui. Por livre e espontânea vontade. Na noite anterior à partida das caravelas para o oriente, eles roubaram um bote e fugiram do navio.
Não é difícil imaginar o que teria convencido os dois marujos a permanecerem entre os nossos índios.
A capacidade de Pero Vaz em reproduzir com palavras os encantamentos da nova terra, foi além da descrição geográfica. 
Ao botar os olhos nas garotas índias, o escritor se desmanchou em elogios: “moças bem moças e bem gentís, com cabelos muito compridos pelos ombros, e suas vergonhas tão altas e tão saradinhas e tão limpas de pêlos, que nós de tanto as olharmos também não tínhamos nenhuma vergonha”.
Mas o velho e bom Pero Vaz (com 50 anos na ocasião do achamento do Brasil, e que havia sido vereador da cidade do Porto) não se contém de fascínio ao descrever uma daquelas garotas. E nem se importou em esculachar as mulheres de Portugal:
“Uma daquelas moças era toda tingida de baixo a cima, daquela tintura. Era tão bem feita e tão torneada, e sua vagina tão graciosa, que as mulheres da nossa terra, vendo-lhes tais feições, ficariam com vergonha por não terem as suas como a dela”. - NO ORIGINAL: “huűa daquelas moças era toda timta de fumdo acjma daquela timtura a qual certo era tã bem feita e tam rredomda e sua vergonha que ela no tijnha tam graciosa que a mujtas molheres de nossa terra vendolhe taaes feiçõis fe zera vergonha por nom teerem a sua come ela.”
Fala sério. Diante dessa maravilha de cenário, até eu pularia do navio pra morar naquele paraíso. Os dois grumetes fujões talvez também sejam meus antigos parentes.

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