segunda-feira, 5 de maio de 2014

Buenos Aires, Lado B

Entrada da Villa 31/Bis, setor novo da mais antiga favela argentina. Ao fundo os casebres encostando no viaduto. 
Foto: David da Silva – 05.mai.2014
Segunda-feira, dia 5 de maio de 2014. São 11h da manhã na Villa 31. A favela mais antiga de Buenos Aires. Surgida em 1932 na zona leste da cidade.
Favela aqui tem o nome apropriado de Vila Miséria.
Estamos de frente a El Playón, entrada principal para a parte mais nova dessa favela ancestral. Por isto a chamam Villa 31/Bis.
Vista da autopista sobre a favela. Reprodução
A população deste setor novo explodiu a partir da década de ’90. Segundo os próprios dados oficiais (nunca muito confiáveis) de 2001 a 2009 a população da Villa 31/Bis cresceu 564%.
Anos atrás aqui eram lavados e abastecidos os ônibus, antes de adentrarem a estação rodoviária que fica ao lado. A favela tomou conta.
El Playón é hoje uma larga via pavimentada com lajotas sextavadas. Ladeada por dezenas de comércios de todos os tipos (lojas, oficinas, restaurantes) e habitações que atiram para o alto três, quatro e até seis andares.
A Autopista Illia é o limite da Villa 31 com a Villa 31/Bis. Alguns casebres que imitam edifícios duvidosos usam os baixos do viaduto como teto. Da via expressa para lá, fica a zona mais recente e carente que se divide em quatro bairros: Ferroviario, Cristo Obrero, Playón Este y Playón Oeste, mais conhecido como Bairro Chino. Dominado por traficantes peruanos. Vieram para cá expulsos pela polícia de outras favelas da zona sul da cidade.
Beco da Villa 31. Foto: David da Silva – 05.mai.2014
Sigo ao lado da coordenadora cultural Anne Alves e do poeta Alison da Paz. Uma espécie de trio avançado do Sarau do Binho, mergulhado na face oculta da capital da Argentina. Quem nos guia é o artista gráfico Diego Maxi Posadas, que diagramou o livro de Lucía Tennina sobre os saraus poéticos da periferia de São Paulo. Os sarausistas paulistanos foram convidados de honra para a 40ª Feira Internacional do Livro de Buenos Aires. Por isto estamos aqui.
Na entrada da Villa 31 somos recebidos por Junior Lobaton, morador do lugar há 15 anos.
Com 30 anos completados no último 7 de janeiro, Junior Lobaton deixou Lima, no Peru, devido a desentendimentos com seu pai. Veio juntar-se à mãe que já vivia há tempos em Buenos Aires.
Ele nos explica que fotos da favela só com autorização dos “delegados” (líderes comunitários, eleitos na proporção de um para cada grupo de 150 moradores).
Repare que as escadas são pelo lado de fora das casas. Não há espaço para elas
dentro dos cômodos apertados. Foto: Jose Vales
Viver na Villa 31 é caro. Pouco tempo atrás, Junior Lobaton pagava $ 70 pesos argentinos por mês pelo lugar onde mora. Com o agravamento da crise financeira do país, ele passou a pagar $ 750 pesos argentinos de aluguel por um quarto com 2,15m de comprimento por 1,50m de largura.
A favela é disputada por ficar colada à estação rodoviária nacional e internacional, ao terminal de ônibus urbanos com cerca de 60 linhas, ao terminal da estrada de ferro, e à estação Retiro do metrô metrô. Além de ser vizinha da Recoleta, o bairro mais chique de Buenos Aires.

Na parte da favela onde não pudemos fotografar, ficam em maior número curiosas casas encaracoladas. Explico. Como os cômodos são apertadíssimos, não há lugar para vãos de acesso ao piso superior. A ligação entre os andares é feita por meio de escadas-caracol grudadas no lado de fora das edificações.

Como nosso anfitrião é peruano, almoçamos pollo estofado (frango refogado com legumes e ervas aromáticas), precedido pela sopa no Restaurante de Tan, um dos muitos estabelecimentos de comida típica naquele setor da Villa 31. Fomos servidos por Elizabeth Tapia Mozo, de 42 anos, há dois anos na capital portenha. O restaurante é de sua irmã Mercedes Tapia Mozo, 59 anos, há 15 anos na Argentina.

A Villa 31 é um vespeiro. Toda vez que algo desagrada a comunidade, bloqueiam a Autopista Illia que corta o céu da favela. Na época da Copa do Mundo na Argentina (1978) o governo quase conseguiu por abaixo a favela. Houve milhares de pessoas despejadas à força. Mas um grupo de moradores remanescentes obteve na Justiça em 1979 a ordem para desligarem os tratores da demolição.
Prefeito de Buenos Aires dá dinheiro a donos de casas de frente para a 
rodoviária para maquiarem com tinta as fachadas. Foto: David da Silva
A gênese da Villa 31 se deu naquela que ficou na história como a Década Infame (crises de 1930 / 1940). Inicialmente ocupada por imigrantes poloneses e italianos, logo a favela se adensou de argentinos expulsos do campo a noroeste do país. Depois chegaram em abundância bolivianos, paraguaios e peruanos. Recentemente tem chegado imigrantes do Haiti.
No seu início a favela chamou-se Villa Desocupación (habitada por levas de desocupados e/ou desempregados. Viviam do que catavam no lixão vizinho à vila). Depois cambiou pra um nome mais otimista: Villa Esperanza.
A sempre retardada urbanização do lugar corroeu a beleza do nome.

A Villa 31 conta com uma emissora de televisão – Mundo Villa TV – e uma emissora de rádio.
A Justiça proibiu novas casas na Villa 31. Em 2013 foram apreendidos 269 caminhões com materiais de construção. Mas areia, pedra e cimento continuam escoando para dentro da favela. Foto: Lucía Merle
Meu novo amigo Junior Lobaton é fotógrafo social (tem predileção por festas de aniversário) e também defende alguns trocados trabalhando em um restaurante chinês no bairro Montserrat. É onde ficam os prédios mais importantes de Buenos Aires como a Casa Rosada, a Câmara, a Prefeitura, e a famosa Plaza de Mayo.
Quando você for a Buenos Aires e quiser contar com a ajuda de quem conhece bem a cidade, é só me mandar um e-mail que eu faço a ponte com Junior Lobaton. Ele vai te mostrar a parte glamourosa e também o Lado B da capital argentina.

2 comentários:

Anônimo disse...

Triste realidade da america latina.

personalfriendalexandrewashington.blogspot.com disse...

Morei durante quase 4 meses na Villa 31 com minha ex e minha filha que na tinha época 2 anos. Éramos praticamente os únicos brasileiros lá. Foi uma experiência muito incrível. Apesar de problemas estruturais, havia muita alegria, cores e sabores derivados da diversidade cultural de pessoas de quase toda a américa latina.