Entrada da Villa 31/Bis, setor novo da mais antiga favela
argentina. Ao fundo os casebres encostando no viaduto.
Foto: David da Silva – 05.mai.2014 |
Segunda-feira, dia 5 de maio de 2014. São 11h da manhã na Villa
31. A favela mais antiga de Buenos Aires. Surgida em 1932 na zona leste da
cidade.
Favela aqui tem o nome apropriado de Vila Miséria.
Estamos de frente a El
Playón, entrada principal para a parte mais nova dessa favela ancestral. Por
isto a chamam Villa 31/Bis.
Vista da autopista sobre a favela. Reprodução
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Anos atrás aqui eram lavados e abastecidos os ônibus, antes
de adentrarem a estação rodoviária que fica ao lado. A favela tomou conta.
El Playón é hoje uma larga
via pavimentada com lajotas sextavadas. Ladeada por dezenas de comércios de
todos os tipos (lojas, oficinas, restaurantes) e habitações que atiram para o
alto três, quatro e até seis andares.
A Autopista Illia é o limite da Villa 31 com a Villa 31/Bis. Alguns
casebres que imitam edifícios duvidosos usam os baixos do viaduto como teto. Da
via expressa para lá, fica a zona mais recente e carente que se divide em
quatro bairros: Ferroviario, Cristo Obrero, Playón Este y Playón Oeste, mais conhecido
como Bairro Chino. Dominado por traficantes peruanos. Vieram para cá expulsos
pela polícia de outras favelas da zona sul da cidade.
Beco da Villa 31. Foto: David da Silva – 05.mai.2014
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Sigo ao lado da coordenadora cultural Anne Alves e do poeta
Alison da Paz. Uma espécie de trio avançado do Sarau do Binho, mergulhado na
face oculta da capital da Argentina. Quem nos guia é o artista gráfico Diego
Maxi Posadas, que diagramou o livro de Lucía Tennina sobre os saraus poéticos
da periferia de São Paulo. Os sarausistas paulistanos foram convidados de honra
para a 40ª Feira Internacional do Livro de Buenos Aires. Por isto estamos aqui.
Na entrada da Villa 31 somos recebidos por Junior Lobaton,
morador do lugar há 15 anos.
Com 30 anos completados no último 7 de janeiro, Junior
Lobaton deixou Lima, no Peru, devido a desentendimentos com seu pai. Veio
juntar-se à mãe que já vivia há tempos em Buenos Aires.
Ele nos explica que fotos da favela só com autorização dos “delegados”
(líderes comunitários, eleitos na proporção de um para cada grupo de 150
moradores).
Repare que as escadas são pelo lado de fora das casas. Não há espaço para elas dentro dos cômodos apertados. Foto: Jose Vales |
Viver na Villa 31 é caro. Pouco tempo atrás, Junior Lobaton
pagava $ 70 pesos argentinos por mês pelo lugar onde mora. Com o agravamento da
crise financeira do país, ele passou a pagar $ 750 pesos argentinos de aluguel por
um quarto com 2,15m de comprimento por 1,50m de largura.
A favela é disputada por ficar colada à estação rodoviária
nacional e internacional, ao terminal de ônibus urbanos com cerca de 60 linhas,
ao terminal da estrada de ferro, e à estação Retiro do metrô metrô. Além de ser vizinha da Recoleta, o
bairro mais chique de Buenos Aires.
Na parte da favela onde não pudemos fotografar, ficam em
maior número curiosas casas encaracoladas. Explico. Como os cômodos são
apertadíssimos, não há lugar para vãos de acesso ao piso superior. A ligação
entre os andares é feita por meio de escadas-caracol grudadas no lado de fora
das edificações.
Como nosso anfitrião é peruano, almoçamos pollo estofado (frango refogado com
legumes e ervas aromáticas), precedido pela sopa no Restaurante de Tan, um dos
muitos estabelecimentos de comida típica naquele setor da Villa 31. Fomos
servidos por Elizabeth Tapia Mozo, de 42 anos, há dois anos na capital
portenha. O restaurante é de sua irmã Mercedes Tapia Mozo, 59 anos, há 15 anos
na Argentina.
A Villa 31 é um vespeiro. Toda vez que algo desagrada a
comunidade, bloqueiam a Autopista Illia que corta o céu da favela. Na época da
Copa do Mundo na Argentina (1978) o governo quase conseguiu por abaixo a
favela. Houve milhares de pessoas despejadas à força. Mas um grupo de moradores remanescentes obteve na Justiça em 1979 a
ordem para desligarem os tratores da demolição.
Prefeito de Buenos Aires dá dinheiro a donos de casas de frente para a
rodoviária para maquiarem com tinta as fachadas. Foto: David da
Silva
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A gênese da Villa 31 se deu naquela que ficou na história
como a Década Infame (crises de 1930 / 1940). Inicialmente ocupada por
imigrantes poloneses e italianos, logo a favela se adensou de argentinos
expulsos do campo a noroeste do país. Depois chegaram em abundância bolivianos,
paraguaios e peruanos. Recentemente tem chegado imigrantes do Haiti.
No seu início a favela chamou-se Villa Desocupación (habitada
por levas de desocupados e/ou desempregados. Viviam do que catavam no lixão
vizinho à vila). Depois cambiou pra um nome mais otimista: Villa Esperanza.
A sempre retardada urbanização do lugar corroeu a beleza do
nome.
A Villa 31 conta com uma emissora de televisão – Mundo Villa
TV – e uma emissora de rádio.
A Justiça proibiu novas casas na Villa 31. Em 2013 foram
apreendidos 269 caminhões com materiais de construção. Mas areia, pedra e
cimento continuam escoando para dentro da favela. Foto: Lucía Merle
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Meu novo amigo Junior Lobaton é fotógrafo social (tem
predileção por festas de aniversário) e também defende alguns trocados
trabalhando em um restaurante chinês no bairro Montserrat. É onde ficam os
prédios mais importantes de Buenos Aires como a Casa Rosada, a Câmara, a
Prefeitura, e a famosa Plaza de Mayo.
Quando você for a Buenos Aires e quiser contar com a ajuda de
quem conhece bem a cidade, é só me mandar um e-mail que eu faço a ponte com
Junior Lobaton. Ele vai te mostrar a parte glamourosa e também o Lado B da
capital argentina.
2 comentários:
Triste realidade da america latina.
Morei durante quase 4 meses na Villa 31 com minha ex e minha filha que na tinha época 2 anos. Éramos praticamente os únicos brasileiros lá. Foi uma experiência muito incrível. Apesar de problemas estruturais, havia muita alegria, cores e sabores derivados da diversidade cultural de pessoas de quase toda a américa latina.
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