segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O Sequestro do Sambista (e o que é que 7 de Setembro tem a ver com isto?)

“Este samba é do grande Silvio Modesto”. Quem falou aquela frase foi a cantora Beth Carvalho. E eu deixei pra lá o desfile de 7 de setembro para me encontrar com o sambista Silvio Modesto, um dos ícones da verdadeira identidade da Pátria.
Tô aqui batucando esta crônica no teclado da memória. Na porta do bar do Carioca. Aquele mesmo na frente de onde passa a moça que gosta das fotos dos cachos de uvas.

Antes de se despedir do boteco após breve encontro, o sambista Silvio Modesto adverte brincalhão: “Olha que não foi bem um sequestro, viu?”. Digo pra ele ficar sossegado com a metáfora. E vai embora. Com o estômago parecendo um aquário. Tomou caldo de peixe até umas horas.
Vou te contar.
Silvio Modesto
Em 1991 Beth Carvalho gravou um samba do Silvio Modesto. E quis conhecer o autor. Silvio refugava. Os amigos faziam pressão, e Silvio nem...
O disco havia sido gravado ao vivo no dia 10 de dezembro de 1991, no Sesc-Pompeia. Nos 73 minutos de duração do álbum, o nome de Silvio Modesto foi o único citado pela cantora na abertura das músicas. E isto numa coletânea de compositores da envergadura de Adoniran Barbosa, Paulo Vanzolini, Eduardo Gudin...
“Vamos marcar uma hora pra você falar com a Beth. Ela faz questão de te conhecer”, repetiam a todo instante. Silvio fugia.
O disco Beth Carvalho Canta o Samba de São Paulo foi um projeto especial da gravadora Velas, de propriedade de Ivan Lins e Victor Martins. “Este disco foi comercializado primeiramente no Japão. Só foi lançado aqui no Brasil em 1993”, conta Silvio.
Com aquela única música incluída no disco (na faixa 13) Silvio Modesto “tirou o pé da lama”. Já contei pra vocês de outras fases brabas na vida do Silvio. Sempre às voltas com a dureza, a pindaíba, o sem-nenhum no bolso. O que ganhava, torrava. Mas, para cada ocaso, um acaso. Venturoso. 
Foi assim na década de 1970 quando se encontrou com o amigo Jangada na Praça da Sé. E este estava acompanhado por nada menos que Plínio Marcos. O encontro salvou Silvio da miséria. Estava na pior. Vendendo bilhetes da Loteria Federal, “naquela de jogar a sorte grande no pé do otário e dizer que foi o destino”, como disse Plínio Marcos. “Trabalhei muitos anos com carteira registrada como ator pelo Sesi, atuando em peças do Plínio Marcos”, recorda Modesto agradecido. “Foi a primeira vez na vida que tive uma conta em banco, e voltei a almoçar e jantar no mesmo dia depois de muitos anos”.
Foi desse mesmo jeito em 1982 quando Benito di Paula gravou o samba Doce Bahia, que Silvio havia composto por acaso, mas que coube direitinho naquilo que Benito queria para coroar seu 15º LP. E as panelas da casa do Silvio Modesto deixaram de ficar com a boca pra baixo após larga temporada em que o fogão da cozinha não era aceso. A mulher até pensou que fosse um assalto a pacoteira de dinheiro com que Silvio voltou pra casa ao receber o direito autoral da gravadora de Benito. “Com aquela dinheirama dei entrada na minha casa”, diz o sambista sobre a residência onde mora até hoje no limite entre Taboão da Serra e Embu das Artes.
Foi assim também em 1986 quando Bezerra da Silva gravou um samba seu. “Eu já estava perdendo o imóvel, de tantas prestações atrasadas. Com a grana que recebi pela gravação do Bezerra da Silva botei minha vida em ordem”, relembra Modesto.
O valor que recebeu em 1991 pela gravação de Beth Carvalho foi outra fábula. “Quase nem cabia no meu bolso de tantos dólares que me pagaram”, relata o compositor de Meu Lirismo, que tanto encantou a cantora carioca.
Mas você deve estar se perguntando por que Silvio Modesto, natural do Rio de Janeiro, foi incluído num disco só com sambas feitos por gente nascida em São Paulo. Acontece que ele é considerado o mais completo sambista carioca paulista. Pois foi aqui que a carreira artística de Silvio deslanchou, e onde venceu mais de 20 concursos de samba-enredo.
Para comemorar com os sambistas paulistas seu disco, Beth Carvalho fez questão especial que Silvio Modesto estivesse na plateia. “Não vou lá, não”, dizia ele a cada vez que entravam no assunto.
Foi aí que um desses amigos concordou com Silvio Modesto para não ir ao encontro da intéprete no show-celebração. “Esse amigo me chamou pra ir dar umas voltas com ele de carro”, conta Modesto. “Quando estávamos ali pelas bandas do Pacaembu, meu amigo entrou numa tremenda duma mansão. Cheia de quartos e corredores que não acabava mais. Ele disse pra eu esperar ali um pouquinho, que ele já voltava”, lembra Silvio. “Só que a casa estava vazia, e eu fiquei lá dentro sozinho. A mansão toda trancada”.
Foi só perto da hora do início do espetáculo da Beth Carvalho que o amigo foi retirá-lo da mansão onde o sambista ficou “cativo”, para pô-lo diretamente na poltrona perante a consagrada Madrinha do Samba.

Meu Lirismo (Silvio Modesto)

Eu agradeço ao Criador
por ter me dado
Os simples momentos
em que falam sobre mim
Tenho mil razões pra festejar
Eu sou a brisa que, no ar
Me leva ao som dos clarins
E assim
Canto o lirismo popular
Enquanto puder cantar
E o povo gostar de mim

Cantar, cantei
Fortemente consegui
Ter amor pra dividir
Ser radiante a triunfar
Andar, andei
E nas andanças que eu fiz
Defendendo esse país
Pela cultura popular
Baldo : Surdo; Edmilson Capelupi : Violão 7 Cordas; Fiapo : Repique de Mão; Jorginho Cebion : Tantã; Niltinho : Cavaquinho; Osvaldinho da Cuíca : Percussão; Paulão 7 Cordas : Violão; Toninho Pinheiro  : Bateria - Arranjador: Paulão 7 Cordas.

A versão do próprio compositor:

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