quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Garçom serve alegria no prato principal

O garçom Josivaldo - Foto: David da Silva
Bem no meio da refeição, o freguês teve de se levantar pra ir ao banheiro. Era o primeiro cliente na vida do garçom Josivaldo. “Pensei que o rapaz tinha terminado, fui lá e levei a comida dele embora. Quando tô juntando os pratos, vem ele bem nas minhas costas: ‘Ô, meu chapa! Deixa meu almoço aí!’. Ele tinha pedido uma comida facinha de servir. Arroz, feijão, bife e ovo. Eu trabalhava antes na construção civil. Nunca tinha servido ninguém na minha vida. Quis ser eficiente demais no meu primeiro atendimento e dei aquela mancada”, relembra entre risos.
Mas isso já faz muito tempo.
Hoje Josivaldo é um dos garçons mais competentes e queridos de Taboão da Serra. É também um dos profissionais mais divertidos em seu ramo. “Não tô nem aí. Eu brinco com todo mundo. Trabalho contente”, diz.

A infância e juventude de Josivaldo repetem a história de milhões de migrantes nordestinos. Nascido no município de Solânea, no agreste paraibano, a 138 quilômetros da capital João Pessoa. Filho do senhor Josafá Ferreira da Silva e de dona Maria das Neves.
Pouco depois de sua chegada a São Paulo, Josivaldo foi levado por sua tia Raimunda a morar em Brasília. “Eu era muito bom em fazer aqueles caminhõezinhos de madeira em miniatura, e fui pra lá trabalhar numa fábrica. Fiquei lá um ano e pouco, e saí fora”.
O pai de Josivaldo possuía um galpão na capital federal, e cedeu o espaço para seu filho viver do ofício de marceneiro. “Comprei duas maquininhas e comecei a mexer com móveis usados. Fazer reformas, entendeu? Dá dinheiro, sabia? Móveis usados pra você reformar, guarda-roupa, cômodas, mesa, cadeira, penteadeira... Mas dá um trabalho danado, viu?”.

Certa feita Josivaldo foi procurado pelo dirigente de uma igreja evangélica. Ele não se lembra do nome do religioso. Só recorda que a pessoa era duma localidade chamada Lago Azul, no entorno de Brasília. “Daí, resumindo. Lá tinha uma igrejinha pequena, da Universal, e o pastor precisava de uma cruz grandona. Eu fiz a cruzona pros caras. Uma cruz de uns dois metros de altura, enorme. Pra eles pôr bem no centro da igreja”.
Os crentes gostaram do serviço. “Daí eles falaram: ‘Vamos fazer umas cruzes pequenas pra gente vender para os irmãos que freqüentam nossa igreja’. Aí eu me lasquei”.
A marcenaria de Josivaldo teve de se dedicar em tempo integral às encomendas do pastor da Igreja Universal do Reino de Deus. “Eram umas cruzinhas assim, bem miudinhas (imita o tamanho entre os dedos indicador e polegar). Coisa de 8cm de comprimento por 5cm de largura”.
A semana toda inteira tomada. “De segunda e terça-feira eu cortava as madeirinhas. Quarta e quinta-feira eu lixava todas elas. Sexta e sábado eu colava as cruzinhas. E sábado de noite o irmão passava lá e levava embora”.
Pergunto a quantidade da produção semanal. Josivaldo responde com a precisão típica dos botecos: “A quantidade certa assim de cabeça não dá pra dizer quantas eram, não. Mas era cruz que só a porra”.
Passado o acesso e o excesso de riso, concluímos que ele vendia cerca de 1.500 a 2.000 cruzinhas de madeira toda semana para o mercador da fé.
Um dia Josivaldo ficou sabendo por quanto o tal pastor vendia cada pequenina cruz de madeira.  “Ele me pagava uma miséria em cada cruz. Mas vendia cada cruzinha por R$ 2,00 pros irmãos lá da igreja dele. Um lucro de mais de mil por cento em cima do meu trabalho. Daí eu me invoquei e parei com aquela exploração”.

Em São Paulo Josivaldo tinha seu irmão, Francisco, empregado na construção civil. “Vim trabalhar mais ele”.
“Um dia eu tava pintando um restaurante aqui na BR-116, perto do Shopping Taboão. O sobrinho do dono do restaurante me chamou pra pintar a casa dele. Era o Valmor, meu patrão até hoje. Que eu chamo de Gauchão”.
Valmor foi dono de um dos bares e restaurantes mais freqüentados de Taboão da Serra. Na esquina da Praça Nicola Vivilechio com Rua Levy de Souza e Silva. Bem ao lado do Cemur. “A gente fez amizade pelo serviço de obras que eu fazia na casa dele. E o Gauchão perguntou se eu encarava trabalhar no restaurante dele”, diz Josivaldo, ainda rindo muito do vexame que passou com seu primeiro cliente.

Foto: David da Silva
Na badalada esquina ao lado do Cemur, zona boêmia taboanense, Josivaldo era uma atração à parte. Muitas gargalhadas a cada prato ou bebida servida. No início de 2014 a sociedade de Valmor com seu irmão se desfez. Mas ele carregou Josivaldo para seu novo ponto comercial. “Os caras que compraram o restaurante lá do lado do Cemur me ofereceram um salário melhor pra eu continuar lá. Mas sou amigo do Gauchão, e resolvi seguir com ele”.
Hoje Josivaldo serve bom humor como prato principal na nova lanchonete-restaurante do seu amigo-patrão.

Quem vê Josivaldo naquela risadaria toda, sequer pensa ser ele um homem solitário. Separado de dois relacionamentos, seus olhos brilham ao falar das duas filhas, cada uma com uma mãe diferente. “Eu não tenho nada nessa vida. Só as minhas duas filhas. A Bruna, de 17 anos, que vive com a mãe dela em Brasília. E a Milena, de 9 anos, vive aqui em São Paulo com a mãe. Para mim, abaixo de Deus, só elas”.

2 comentários:

Adriano Neri disse...

Davi belíssima reportagem.Pois este são paulino é muito gente boa , um ser humano de bom coração e caráter....

Cibele Cavalheiro disse...

Sou fã do Josi e do atendimento dele,frequentava a outra lanchonete onde ele trabalhava e agora nessa,todos de parabénsemana! !!