sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Vou-me embora pra Croácia

Kolinda Grabar no dia em que foi pedir votos aos jogadores da Seleção da Croácia. 
Foto: Goran Ferbežar/PIXSELL
David da Silva

Antes de você embirrar (“O que Croácia tem a ver com blog de Taboão da Serra?”) lhe digo logo: 19 de fevereiro é dia do aniversário da minha cidade. E também a data querida em que a ex-diplomata Kolinda Grabar-Kitarović pegou as chaves do seu gabinete de primeira mulher presidente daquela nação. Eleita em 11 de janeiro último, teve um ritual burocrático de posse domingo passado, mas foi ontem que ela assumiu o escritório onde governará pelos próximos cinco anos.
Mas não foi a primeira mulher a se aventurar nas urnas eleitorais croatas. Em 2009, outra senhora tentou ser prefeita da cidade Kaštela, região sul do país. Era uma prostituta.

Primeira vez que li algo sobre Croácia foi por causa da música “Zagreb”, do maestro-arranjador-pianista mineiro Wagner Tiso, no seu primeiro disco-solo instrumental lançado em 1977. Gostei tanto da composição que fui buscar o significado daquele nome.
Tempos depois, em 1997 na Prefeitura de Taboão da Serra conheci o motorista Peric, descendente de croatas. A gente se divertia quando ele dizia: “Meus parentes são tão invocados, briguentos, que lá em casa não existe ‘confraternização em família’. Se juntar a parentada toda na mesa, o almoço acaba em pancadaria. Croata é gente braba”. Daí descobri o porquê do jeitão pouco expansivo de um antigo instrutor profissional aqui do município, a quem chamavam ‘professor Peric’; não lembro o que ensinava, só sei que era curso técnico no antigo Cepim. Também não recordo se era pai ou tio do nosso motorista Peric.

Minha curiosidade sobre Croácia reacendeu em 2001, quando estudei o livro “Jornalismo e Desinformação”, do repórter Leão Serva. Ele foi correspondente brasileiro na guerra da Croácia em 1992.

O mundo voltou os olhos para a Croácia no início deste ano 2015, nem tanto por causa de uma mulher no poder (há tantas e tão feias políticas por aí...). A galera se assanhou mesmo foi com as belas curvas da dona Kolinda vestida de sol, molhada de mar, dentro do biquíni azul.
A presidente Kolinda Grabar, 46 anos, fala fluente em português, inglês e espanhol.
Foto: Reprodução | Facebook

No primeiro turno da corrida presidencial Kolinda Grabar ficou em segundo: 37,22% contra 38,46% do candidato à reeleição Ivo Josipovic.
No segundo turno, a loira virou o jogo: ela com 50,44%, e Ivo, 49,56%. Diferença mísera (não se esqueça que croatas são zica).
Ivo Josipovic até que é um cara legal. Político de centro-esquerda, professor de Direito e compositor de música clássica... mas...
A loira não vai ter vida fácil – desemprego a 20%, país em crise desde 2008. De cada dois jovens croatas, um está sem trabalho.
O croata está tão na pindaíba, que o governo teve de perdoar no fim do mês passado 289 milhões de euros de pessoas com dívida com bancos, empresas de telefonia, taxas públicas, etc.

Primeira notícia que li sobre mulher em disputa eleitoral na Croácia foi em 2009. Na época, e então com 41 anos, a candidata Lidija Sunjerga (pronuncia-se suniêrga) entrou na briga pela prefeitura da sua terra natal Kaštela. O assunto botou lenha na fogueira eleitoral da cidadezinha de 38 mil habitantes. Jornalistas pilantras sempre sacaneavam a moça, fazendo questão de não chamá-la apenas de candidata, e sim acrescentando “a prostituta e estrela pornô candidata a prefeita”. De fato a garota saiu da Croácia com 19 aninhos para ser puta na Holanda. Nas horas de folga, fazia filmes pornográficos. Mas daí a ficar remoendo o assunto, tenha a santa paciência...
Selecionei do jornal Slobodna Dalmacija algumas opiniões de eleitores da época sobre a então candidata (em croata: prefeita = gradonačelnik).
Mira Šegvic, 63 anos, pensionista, disse: “O passado dela é uma questão particular. Como candidata ela é uma mulher completamente normal. Eu apoio ela para prefeita”.
A enfermeira Mira Višić, 60 anos, discordava: “Acho que para o lugar de prefeito a gente deve encontrar mulheres mais educadas, que tenha uma outra carreira, e não a que ela tinha”.
O pensionista Ranko Deanović, 58 anos, disse: “Eu não tenho absolutamente nada contra a sua candidatura. Seu passado não tem nada a ver com o tempo presente. E para o futuro ninguém pode contestar a sua qualidade e sua capacidade”.
A lojista Ivana Kelam, 35 anos, disse: “Sua candidatura a prefeita é uma experiência muito ousada. Não tenha vergonha do seu passado. Não precisa esconder o que fez. Ela tem o meu apoio”.
Gostei mesmo foi do que disse a repórter (em croata: novinarka) Dijana Putnik, 48 anos: “A lei garante a candidatura dela. A questão é saber se será bem sucedida na administração pública. Embora tenha escola de vida, não tem experiência em gestão urbana. Ela tem a língua afiada, mas é honesta. Poucos podem dizer que são íntegros iguais a ela. Pois se prostituem de outras formas, ganhando dos cofres públicos muito mais do que ela cobrava dos seus clientes na cama”.
Comitê eleitoral. Na parede, escrito: "Lidija prefeita. Por que não?"

Apesar de suas habilidades entre quatro paredes, Lidjia não excitou o eleitorado. Teve apenas 453 votos, equivalente a 3,3%. 
Reflexo da saturação dos eleitores com os políticos, apenas 40,58% foram às urnas (13.719 comparecimentos em um universo de 33.809 inscritos).

Se a bonitona Kolinda Grabar teve sucesso nas urnas como presidente, um pouco ela deve ao pioneirismo de Lidija Sunjerga, que de certo modo botou o eleitor croata pra pensar, e romper com pré-conceitos.
Por uma feliz coincidência, Kolinda e Lidija têm hoje a mesma idade, 46 anos.
A derrota nas urnas não derrubou Lidija Sunjerga das suas convicções. Não deixou de ser puta, nem se desinteressou da política. Li ontem no seu perfil do Facebook que ela está empenhadíssima na luta contra a extração de gás e petróleo no mar Adriático, litoral da Croácia.

Apesar da exuberância e inteligência, Kolinda Grabar não agrada todos e todas. Uma jornalista fofoqueira de Zagreb, capital do país, escreve: “Especialistas em moda aqui têm muitas vezes criticado nossa nova presidente por causa de suas roupas bastante apertadas, o cabelo geralmente preso em coque, e os cílios postiços que ela não quer deixar de usar”.
Escolada em longos anos de diplomacia internacional, Kolinda tira de letra: “Essas observações sobre meu modo de vestir são coisas secundárias. A aparência é importante, mas, em vez de se lembrar de um penteado, as pessoas vão se lembrar muito mais do sorriso que abre todas as portas", disse a loira radiante a um semanário local.

Kolinda Grabar é casada e mãe da Katarina, 13 anos, e do Luka, 11.
Sobre seu esposo, ela diz ser ele quem administra toda a vida doméstica. E completa rindo: “Ele é um marido profissional”.
Kolindu Grabar-Kitarović em seu gabinete na presidência da República da Croácia

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