sexta-feira, 8 de maio de 2015

Lembranças e esquecimentos de uma alagoana centenária em Taboão da Serra

Dona Zefa um mês antes de completar 103 anos de vida. Foto: David da Silva - 30.abr.2015

David da Silva

A contabilidade de vida da dona Zefa tem números grandiosos. Vai fazer 102 anos daqui a um mês, deu à luz 15 filhos, tem 27 tataranetos, 61 netos, e 98 bisnetos. Moradora do bairro Jardim Suiná, Taboão da Serra, Josefa Maria da Silva nasceu em 14 de junho de 1913 no sertão alagoano. As movimentações de sua família durante sua infância e juventude descrevem um arco desde o município Chã Preta, onde ela nasceu, passando por Viçosa, onde se casou aos 15 anos, e Anadia, último lugar em que morou antes de migrar para São Paulo cerca de 65 anos atrás.
O local de nascimento de dona Zefa, a 105 km de Maceió, é vizinho ao município de Quebrangulo, berço do escritor Graciliano Ramos.

A carteira de identidade que dona Zefa sempre gosta de mostrar às visitas


Vagas lembranças
A memória das pessoas é seletiva. Guarda o que agrada, apaga o que agride. As recordações de dona Zefa não registram mais os anos difíceis no agreste nordestino. “Não lembro nada de como era o lugar que eu nasci. Só sei que a casa do meu pai era muito grande, e coberta de telhas. Muitas casas lá eram cobertas com palhas, mas a do meu pai tinha telhas. Meu pai plantava algodão, milho, feijão... essas coisas assim. O resto, não lembro mais nada. A gente morava na lavoura, bem fora da cidade, muito longe. Eu pouco ia em Viçosa e Anadia. Não sei mais como eram esses lugares”, relata.
Mas um sorriso jovial perpassa os lábios da centenária senhora quando perguntada sobre o seu marido, já falecido. “Eu conheci ele trabalhando na roça. O pessoal dele morava lá perto de Chã Preta. Eles iam na casa da minha família. Meus pais não queriam que eu casasse com ele porque ele era moreno, e o meu pai tinha a pele bem clara. Demoramos muito tempo pra poder casar”. José Pedro da Silva, seu esposo, faleceu aos 69 anos já morando em Taboão da Serra.
Também só sobrou uma lembrança vaga do caminhão “pau-de-arara” que levou sua família de Alagoas para São Paulo. “Só sei que tinha uns bancos [na carroceria] e era coberto com uma lona. Veio lotado de gente, com a mudança de duas famílias. Não lembro quantos dias a gente demorou pra chegar. Viajava direto, dia e noite, com dois motoristas”, diz dona Zefa.
A vinda para o sul se deu a convite do padrinho de um de seus filhos. “Ele já morava aqui em São Paulo, voltou em Alagoas para buscar a mãe, e perguntou para o meu marido se ele queria vir para cá, então viemos”.
Zefa e seu marido desembarcaram com a dezena de filhos na cidade de Álvares Machado, distante 576 km da capital São Paulo. Repetiram lá o que faziam na terra natal – trabalhar na lavoura, no sistema de arrendamento.
Parte da família de Josefa mudou-se para a Grande São Paulo há aproximadamente 40 anos. Moraram por uns tempos na região do Jabaquara (Vila Santa Catarina, zona sul da Capital), antes de se instalarem em Taboão da Serra. Hoje três de seus filhos moram em Taboão; outros estão espalhados pelo interior paulista.

Independente e exigente
Se as imagens do passado de dona Zefa se dissolveram com o tempo, por outro lado ela tem excelente memória sobre filhos e netos. Durante a entrevista, chegou a corrigir sua filha caçula sobre a idade do neto mais novo. De toda a sua prole, apenas Eliete, a caçula, de 60 anos, nasceu em São Paulo.
É ela quem cuida do dia-a-dia de dona Zefa. “Minha mãe não costuma dormir muito cedo. Às vezes é 10 e meia da noite e ela tá saracoteando aqui pela casa. Daí ela dorme até por volta das 10h da manhã. Quando fica mais tempo na cama, ali pelas 11h vou lá acordá-la. Ela faz tudo sozinha. Toma banho, se penteia e troca de roupa sem precisar de ajuda”.
Como não dá trabalho para cuidar da própria higiene, dona Zefa tem o direito de exigir o que come. “Ela não gosta de queijo, só aceita mussarela. Não bebe café, só chá de erva cidreira. Não come bife nem filé de frango, nem gosta muito de macarrão. Não é muito chegada em saladas. Prefere carnes que tenham osso, costela, mocotó. Mas sirvo estas comidas só de vez em quando, a cada 15 dias devido à idade dela. No mais, come de tudo, sem restrições. Essa semana ela quer comer dobradinha”, relata Eliete.

Nada de tragédias!
Para dona Zefa, a televisão é uma extensão da sua religiosidade. “Eu gosto muito de assistir missas na televisão. Assisto duas missas no correr do dia. Gosto de um padre moreno aqui de São Paulo. Ele faz uma pregação muito bonita, viu? Muito bonita mesmo. E gosto muito desse padre daqui, o padre Kirano. Já fui umas duas vezes lá na casa dele”.
O jornalismo-tragédia é recusado pela idosa. “Em jornal não sou chegada, não. Tem muita coisa errada. É roubo, ladrão, mata-mata, mulher... essas coisas assim”.
A música de hoje em dia também leva puxão de orelha. “São músicas escandalosas”.

Coração de mãe
Mesmo com os 15 filhos que gerou, dona Zefa ainda terminou de criar os filhos de uma irmã e de um cunhado.
Dos filhos já falecidos, dois foram natimortos (se vivos, estariam em torno de 83 a 84 anos), Oséias morreu há 50 anos; José, apelidado Jovem, se foi há quatro anos, e Dézinho (José) morreu há nove meses, com 83 anos. Foi o padrinho de Dézinho quem convenceu o marido de Zefa a migrar para São Paulo.
A escadinha dos filhos de dona Zefa hoje está composta de Elizete, 82 anos; Valdomiro, 81 anos; Josias, 79 anos; Adelson, 76 anos; Francisca, 74 anos; Geraldo, 71 anos; Gerson, 68 anos; Zé de Mãe (José), 65 anos; Olindina, 63 anos, e Eliete, 60 anos.

3 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns dona Josefa! Deus permitiu a senhora mostrar a quem quer saber que: Ser mãe por 15 vezes e digna quinze vezes a mais. A senhora é um exemplo para os de hoje. Por certo a senhora viu, ouviu e assistiu muita cousa. Inclusive deve ter conhecimento de duas guerras mundiais. Também por certo já ouviu dizer muito sobre a politica. Principalmente a do nordeste. Talvez a senhora não saiba dizer nada sobre a "Belle Epoque", Mas, viver 102 anos é uma benção, os que estão nascendo agora talvez, não vivam um terço desse tempo. Com tanta modernidade azucrinando o cérebro por certo o ser humano, vai ter pouco tempo para viver a vida! Parece que vão vegetar na doidice.

Sonia disse...

Maravilhosa, uma senso de amor a vida e as pessoas com as quais convive. Minha vovo amada e abençoada!

Anônimo disse...

Minha guerreira