domingo, 2 de agosto de 2015

Lembranças de Içami Tiba em Taboão da Serra

Médico psiquiatra Içami Tiba
David da Silva

Da porta da mercearia dos seus pais, perto do Largo do Taboão, o menino espichava os olhos na direção da BR-116 para ver os caminhões passarem rumo ao Sul. Sonhava em ser caminhoneiro.

Não foi.

Acabou se tornando o mais respeitado médico psiquiatra do Brasil, idolatrado pela sua atuação na Educação de crianças e jovens.

O doutor Içami Tiba, 74 anos, falecido às 19h de hoje, domingo 2 de agosto, viveu parte de sua infância e juventude aqui em Taboão da Serra. Seu pai, Yuki Tiba, e sua mãe, Kikue Tiba, eram proprietários da extinta Casa Victória, localizada no número 105 da Rua José Soares de Azevedo. A importância daquela mercearia na vida dos taboanenses da época pode ser medida por um relato do falecido ex-prefeito Armando Andrade, em uma de suas crônicas da série “Taboão da Serra do Meu Tempo”: “A Casa Victória era o nosso supermercado. Tinha de tudo, desde linha e agulha para costura, vinho vendido em litro e em garrafão, arroz, feijão, secos e molhados, e até o Cinzano que não era muito comum nos comércios de subúrbios daquele tempo. Os preços eram os melhores do pedaço, mas o que ajudava mesmo era a caderneta para pagar mensalmente”.

Içami Tiba já tinha se decidido pela Medicina quando seu pai montou o comércio em Taboão da Serra. “Nessa fase eu ficava muito ausente dos assuntos da família. Voltava muito tarde para casa, envolvido com os estudos. Meus pais estavam recomeçando a vida com o pequeno empório, que nós mesmos construímos. Meu pai como pedreiro, eu e meus irmãos como serventes. Ao chegar em Taboão da Serra vendíamos de tudo. Minha mãe e meus irmãos foram para o balcão. Eu já tinha traçado o meu futuro de estudar muito para ser médico”, contava Içami.

À direita, com portas fechadas, a extinta Casa Vistória. Ao fundo, a BR-116

O recomeço a que ele se referiu foi um dos altos e baixos de Yuki Tiba em sua vida de empreendedor. O próprio Içami Tiba nasceu nos fundos de uma mercearia (“Casa Tiba - Secos & Molhados”) que o pai tinha em Tapiraí, interior de São Paulo. Tempos depois o velho Tiba passou a produzir carvão, que levava para vender em São Paulo com um caminhão próprio.

Vez ou outra uma crise financeira afetava os negócios. Quando ainda viviam em Tapiraí, houve ocasião em que a mãe teve de costurar para fora bolsinhas de plástico. As crianças ajudavam cortando as rebarbas. Depois a vida melhorou.

Taboão da Serra deu sorte para a família Tiba. Com a mulher e os filhos no balcão da mercearia, Yuki foi ser taxista no bairro paulistano do Cambuci. Logo montou uma frota de taxis, com 13 automóveis da marca DKW. A casa ao lado da mercearia, também construída por Yuki e os meninos, era o escritório da frota onde Yuki passava o tempo todo controlando o movimento dos seus taxis.

Nada mal para quem passou maus bocados ao chegar no Brasil em 1936. Yuki e a mulher foram trabalhar na colheita de café em Morro Agudo (SP). Tudo o que precisavam (roupa, alimento, ferramentas) tinha de ser comprado no comércio do dono das terras. Por mais que trabalhassem e pagassem os fiados, a dívida só aumentava. O patrão roubava na conta. 

Kikue e o marido fugiram. Caminharam uma semana inteira pelo meio do mato; andavam à noite, e se escondiam de dia, por medo dos capangas e cachorros do fazendeiro. Até que pegaram um trem e foram parar em Tapiraí, onde Içami nasceu em 15 de março de 1941.

Kikue e Yuki Tiba, pais de Içami

Lembranças do Largo do Taboão

Uma das lembranças mais queridas que Içami Tiba guardava de Taboão da Serra, era quando voltava da escola à noite, e ficava na esquina da sua rua com a BR-116, contando piadas com os amigos. O ponto de encontro da turma era em frente ao extinto Cine Tupy, esquina da Rua José Soares de Azevedo com o Largo do Taboão.

Outra doce recordação da infância era quando Içami vinha com o pai e os irmãos para Taboão da Serra nos fins de semana, construir a casa que seria deles. “Naquela época morávamos na Bela Vista, meu pai trabalhava como corretor de imóveis. Sábados e domingos íamos a Taboão da Serra levantar as paredes da nossa futura casa. Lembro perfeitamente da alegria que a gente sentia quando passava um carroceiro vendendo frutas pela rua”.

Antes de vir com os pais para Taboão da Serra, Içami morou algum tempo na casa de uns tios e seus sete filhos, no Jardim Guedala, região do Caxingui. Estudou na Escola Godofredo Furtado e no Colégio Fernão Dias, ambos no bairro de Pinheiros.

Uma das paixões de Içami quando garoto era o judô. Começou os treinos aos 8 anos em Tapiraí, e praticou o esporte sistematicamente até os 28 anos. Chegou a Campeão Brasileiro Universitário de Judô da Faculdade de Medicina da USP em 1966.

Outra paixão eram as festas. “Meus pais nunca me prenderam. Só cobravam estudo – se ia bem na escola, tudo bem. Minha turma era danada de farrista”, lembrava divertido. Içami era o que se podia chamar de “japonês saidinho”. Virava a escola pelo avesso; levou muitas suspensões. Dançava bem, brigava bem, e se dava bem tanto com bagunceiros quanto com CDFs.

Gostava de organizar bailes. “Quando tocava rock, eu me saía bem com as garotas. Quando era samba, eu não só ia bem, como também brincava com o pandeiro”, dizia.

A admiração de Içami pelo velho Yuki era notável. “Meu pai não tinha diplomas, mas era muito culto e inteligente. Tinha influência sobre a comunidade. Nas reuniões e eventos dos clubes japoneses era ele quem fazia as apresentações, os discursos, cantava e dançava. Na década de 70 tornou-se monge budista, e chegou ao grau mais alto aqui no Brasil”, relembrava com orgulho. Como se não bastasse, aos 72 anos Yuki Tiba se formou em Direito pela Faculdade Mackenzie.

Yuki Tiba foi muito atuante no Centro Esportivo e Cultural do Taboão, criado em 1932 para promover a integração da colônia japonesa na região. Na Praça Nicola Vivilechio, na entrada de Taboão da Serra, o Monumento aos Imigrantes Japoneses faz uma honraria a Yuki Tiba. A frase de caracteres nipônicos gravada no mármore foi desenhada pela sua esposa Kikue Tiba, que tinha grande dom artístico e em 1991 foi graduada a melhor calígrafa fora do Japão.

No bairro Cidade Intercap, Taboão da Serra, uma rua faz homenagem a Yuki Tiba. No bairro Jardim Clementino, na mesma cidade, a Rua Rinnossuke Tiba homenageia o avô paterno de Içami Tiba.

Médico psiquiatra formado em 1968 pela USP com carreira iniciada no Hospital das Clínicas, educador e escritor, Içami Tiba publicou mais de 40 livros. Vendeu mais de 4 milhões de cópias; seu best-seller é “Quem ama, educa”. Realizou mais de 3.400 palestras em escolas e empresas. Pesquisa do Ibope revelou que ele é o primeiro brasileiro e o terceiro estrangeiro mais citado em matéria de psicologia.

Na tarde triste desta segunda-feira, familiares e admiradores darão o último adeus a Içami Tiba.  Será sepultado às 16h, no Cemitério do Morumbi. Estava internado desde janeiro deste ano, faleceu de
câncer.

Monumento à Imigração Japonêsa em Taboão da Serra.
Foto: David da Silva

11 comentários:

Glícia Soares disse...

David voce como sempre nos surpreendendo com histórias dentro de histórias para contemplar o nosso Taboāo da Serra. Parabéns amigo.

Nilton disse...

Jornalista David da Silva, mestre dos mestres no Jornalismo Local e Regional, quiçá Nacional. Doutor Içami Tiba vai deixar muita saudade. Foi um grande homem que muito ajudou milhares de famílias com seu livros. """" QUEM AMA,EDUCA """".

Anônimo disse...

Realmente o médico IÇAMI TIBA(também conhecido pelos taboanenses como Nelson ) Passou parte da sua juventude aqui em Taboão da Serra, na década de 60. Na verdade quem mais se destacou como membro dessa notável família japonesa,na nossa cidade, foi o seu irmão, o Advogado Paulo Tiba.Que foi,um ardoroso ativista político.Filiado ao então partido da época, Arena 2,lançou-se candidato a Vereador por Taboão da Serra,nas eleições municipais de 1968, na chapa dos candidatos:Osvaldo Cesário de Oliveira-Vicente Buscarini. Conseguiu tornar-se 3 suplente,tendo assumido uma cadeira no Legislativo taboanense, com a decisão da Camara Municipal de afastar 2 vereadores da Arena, que nunca residiram em Taboão da Serra. Foi também juntamente com o Advogado Arnaldo Davidoff, que o Dr. Tiba conseguiu a impugnação de duas urnas eleitorais que foram recontadas um ano após a eleição feita em 15 de novembro de 1968, em Itapecerica da Serra, na Comarca que Taboão da Serra, pertencia naquele tempo. Como dá para notar,os filhos do casal TIBA,quase todos de nível universitário, honraram a laboriosa colônia japonesa aqui em Taboão da Serra.Segundo consta: Dois membros da família Tiba, migraram para o Japão, permanecendo naquele país.

David da Silva disse...

Glícia querida amiga. Que bom você gostou dessa história. Obrigado pela meiguice.

David da Silva disse...

Meu chapa Nilton Esteves. Você é um exagerado... hahaha. Grande abraço, meu amigo. E obrigado pela constante generosidade com o nosso blog.

David da Silva disse...

Muito obrigado pelos importantes dados históricos. É sempre uma honra contar com os seus grandes conhecimentos dos fatos que construíram nosso município. Abraços!

Anônimo disse...

Me desculpem...quanto a irmão Paulo Tiba....melhor ignorar,este não honra.... o nome da Família Tiba....ainda mais como advogadozinho....Que tanto o Sr Yuki Tiba e a Sra Kikue Tiba, conhecida carinhosamente por todos da região como "DONA VITÓRIA", dai a "Casa Vitória", que por muitos anos até meados da déc de 90, o "Sr LUIZ", irmão mais velho de Içami Tiba seguiu este caminho nesta pequena casa de "secos e molhados"....Por favor não inventa e não aumenta....Agora sim , o Sr Yuki Tiba foi até um dos poucos mais de 200 imigrantes japoneses condecorados e homenageados nos 100 anos de Imigração Japonesa no Brasil que contribuiram para a Colônia Japonesa da Região e do Brasil....Assim como seu filho Içami Tiba, como filho de imigrante tbém homenageado durante as comemorações dos 100 anos de imigração...Orgulhos da Família Tiba...Dai este monumento localizado na Pça Anexa a Pça Nicola Vivilechio, e Homenagem a Imigração Japonesa na nesta região oeste da Capital...Englobando Taboão...Embu...Itapecerica.....Quanto a "imigração" de outros Tiba, não migração...no Japão mais uma vez.....por favor Anônimo acima....não inventa e não aumenta....não fale besteira....melhor vc ficar quieto do que ficar falando besteira....

Anônimo disse...

Quando fiz meu comentário , não tive a menor intenção de envolver-me em questão familiar. O ligeiro comentário, é uma espécie de um pequeno relato, de um fato histórico em Taboão da Serra, do qual sou testemunha. Ou seja: Não inventei que o Paulo Tiba, ocupou uma Cadeira de Vereador de Taboão da Serra, na Administração ARY DÁU-MITUZI TAKEUTI, da Terceira
legislatura de Taboão da Serra, de 1968-1972. Quanto aqueles que foram para o Japão, isto não é besteira, o que quis dizer: ´´E que foram para aquele país e, tanto as palavras: migração ou imigração ambas constam nos dicionários da língua portuguesa, onde se pode constatar , a suas definições corretas, para quem acha que sabe tudo. Não houve a intenção de aumentar e, nem de inventar. E também não criar polemica com gente recalcada. Peço minhas desculpas, se magoei alguém magoado. Não é do meu feitio criar caso.

Anônimo disse...

Todos têm o direito de fazer seus comentários. Já foi o tempo que tudo era censurado. nos nossos dias, a internet é democrática. Não tem mais cabimento. Os "rançosos " que me desculpe, mais mesmo assim, têm que engolir que os outros também merece respeito e têm o direito de dar a sua opinião. O "cala - boca ", já morreu. Se não gosta, não coma!

Anônimo disse...

Ao Davi da Silva: Seu "blogger é bastante interessante! É uma mistura de passado, presente e, futuro. Não fica só na mesmice dos dias de hoje. Faz relatos interessantes das pessoas, que de uma maneira ou de outra , deram a sua colaboração no desenvolvimento dessa cidade. Isso é muito bom! É bom saber do passado, para comparar com o presente.~ Um povo sem passado, não tem futuro. Os mais jovens, devem saber tudo do passado, para respeitar o presente. É verdade que sempre tem, alguém que não goste, achando que ninguém deve ficar relembrando o que passou. Mas, como você é um jornalista diferente, não se importe com quem quer que todos usem cabresto.

Unknown disse...

Obrigada pelo texto, retornei a minha infância quando ia na mercearia da D. Vitória e no Bar do seu filho Luizinho.