Emerson Soares faz o tobogã sobre os doubles do Voltadirt, em Krefeld, Alemanha. Foto: Stefan Marker |
Vindo de
Minas Gerais para morar na casa da mãe em Taboão da Serra, pela janela do
ônibus o menino viu no bagageiro de um carro a coisa mais desejada da sua vida.
Uma bicicleta aro 20 própria para a prática do bicicross, ou BMX - sigla
inglesa para bicycle(B) moto(M) cross(X).
“Esse
foi o segundo registro mais forte da minha memória em relação ao BMX. O primeiro
foi aos11 anos de idade, lá em Pirapora (MG), onde passei 3 anos da minha
infância e tive a primeira oportunidade no bicicross”, conta Emerson Soares
Muniz, 36 anos. Ex-morador de Taboão da Serra e Embu das Artes, grande
incentivador do BMX na nossa região no período de 1993 a 2005, hoje é mecânico
de aviões na Alemanha.
Emerson na Pç Luis Gonzaga, Pirajuçara Foto: David da Silva - 28.mai.2010 |
Conheci
Emerson Soares no início dos anos 2000, no extinto bar O Garajão, em Taboão da Serra, durante um show da Banda Varal
(atual banda Veja Luz). Ele pediu para eu fazer reportagem do campeonato de
Dirt Jump (saltos de bikes sobre rampas de terra) que era realizado todos os
anos no morro do Jardim Vitória, região próxima aos bairros Independência e
Santa Tereza, Embu das Artes. A competição atraia pilotos de lugares distantes.
Hoje a
pista não existe mais. Assim como assassinaram há muito tempo uma pista de
bicicross existente em Taboão da Serra, por trás do Pronto Socorro Municipal, o
popular “PS da Antena”.
Vamos deixar o próprio Emerson girar para trás o pedal da história de sua
antiga paixão pelas bikes de aro 20.
“Quando resolvi
ficar com minha mãe e meus irmãos, aquela bike no teto do
carango que eu vi de dentro do busão no trajeto entre o Terminal Rodoviário
Tietê e Taboão me fez lembrar as rampas de bicicross em Pirapora. Vivi com
dois tios e uma tia naquela cidade, às margens do Rio São Francisco. Na época,
em 1990, foi tudo muito difícil para mim por causa da separação dos meus pais
alguns anos antes”, relata.
Com o
coração lotado de saudades da mãe e dos irmãos, o moleque encontrava consolo
nas rampas para bicicross construídas ao lado do Velho Chico, como o famoso
rio é carinhosamente chamado pela população ribeirinha.
Primeira pista de bicicross de Pirapora (MG). Ao fundo o majestoso Rio São Francisco. |
Com a pista
construída em 1990 - onde Emerson fez seus primeiros voos de bike - a
destinação de espaço para o bicicross em Pirapora (MG) revelou-se acertada. É
daquela cidade o campeão Antonio Maurício Lisboa, vencedor do Campeonato
Brasileiro de Bicicross de 2014 na categoria 45/49 anos. Seu herdeiro Maurício
Lisboa Filho e a filha Rafaela Lisboa também têm se destacado nas pistas de
BMX.
Uma nova pista de bicicross com mais de 12 mil
m² e infraestrutura de alambrado, área gramada, estacionamento, foi entregue à
população de Pirapora no ano passado, com investimento de R$ 539,9 mil reais.
Voltemos
ao Emerson e às suas memórias ciclísticas.
“Assim
que cheguei em Taboão da Serra em meados de 1993, fui trabalhar em uma Casa do
Norte na Estrada Kizaemon Takeuti, na região do Pirajuçara. Comecei a estudar na
E.E. Reynaldo Faleiros, no Jardim São Salvador”.
O choque
cultural entre a pacata cidade do interior mineiro e a violência da região
metropolitana da Grande Sampa abalou as convicções estudantis do garoto
Emerson. “Nos primeiros dias de aula fiquei assustado com a diferença entre a
minha primeira escola em Pirapora e a nova, onde a rapaziada queimava vários
charutos [maconha] à vontade, e onde
pude ver alguns alunos que iam armados pra escola. Abandonei a escola e me
dediquei apenas ao trabalho. Foi a decisão mais errada que fiz até hoje na vida”,
lamenta.
Quando
conheci Emerson em 2004, vi que, apesar de não ter a educação formal das
escolas, ele tinha boa formação cultural. Gostava dos livros, interessava-se pelos
saraus poéticos que começavam a pipocar na época em Taboão da Serra e Campo
Limpo. Chamei o rapaz para ser meu colaborador como bike-repórter.
A vida sobre duas rodas
“Desde
moleque eu lia muito. Minha vida era voar com a bike e ler. Precisava aprender muito sobre esse mundão de meu Deus. Comecei
a comprar revistas especializadas em MotoCross. Foi por meio das revistas que
conheci nomes como Roque Kollmann, Jorge Negretti, Rogério Nogueira, Cássio
Roberto Garcia, Gilberto Narezzi, Cristiano Lopes, Milton Becker... entre
outros.
“Através
da leitura mudei o rumo da minha vida.
“Mas por
mais que lia e me informava, não estava frequentando uma escola. Isso me
dificultava a vida, por não ter nem mesmo o diploma do ensino fundamental
completo".
Emerson na manobra back flip. Foto: 25.julho.2004 |
Mas pra
dar o grande salto da sua vida, era preciso fazer as pazes com a escola.
Na noite
em que Emerson me pediu as reportagens sobre os campeonatos que realizava,
ficamos combinados de eu ir à competição no próximo domingo. Mas já na manhã
seguinte, ele tanto insistiu que acabei indo ao local das disputas. Queria que
eu visse com antecedência como eram construídas as rampas de desafios aos pilotos.
Digitais de Emerson na história do BMX na região.
Cartaz do campeonato de 2004. Acervo: David da Silva
|
Não
tenho mais a versão impressa das minhas reportagens sobre aquele lugar. Mas lembro perfeitamente que a pista no morro do Jardim Vitória
tinha várias sequencias de doubles (montes de terra) variando de 2 metros de
altura a doubles mais baixos, num total de 16 doubles.
Aquela
pista do morro do Jardim Vitória tinha sido construída no muque, na pá e na enxada em 2001 pelos pilotos
embuenses Sivaldo Silva e Wellington Rocha. Meu amigo Emerson, conhecido entre os bikers como Boy, era fiel
parceiro na manutenção da pista e na organização e divulgação dos campeonatos.
O BMX
chegou com toda a sua força no Brasil em julho de 1978, por iniciativa da
fabricante de bicicletas Monark. Foi ela quem construiu a primeira bike
brasileira modelo BMX com rodas de 20 polegadas.
Piloto na manobra superman seat grab. Embu das Artes/jul.2004 |
O BMX
nasceu na Holanda. O primeiro registro desta atividade data de 1957. Sua
prática se enraizou na Califórnia, Estados Unidos. Daí os nomes das manobras
serem todos em inglês.
Está
classificado como esporte olímpico desde as Olimpíadas de Pequim-2008.
Enquanto
não se decidia a retornar aos bancos escolares, Emerson Soares investia em
equipamentos para a sua devoção ao BMX.
“O
dinheiro que me sobrava no final do mês, depois de ajudar minha mãe, comprei a
minha primeira BMX de qualidade por volta de1994. Lembro da primeira Dyno
Slamer em 1996. Foram muitas bikes no período entre 1994 e 2004.
"Em 2004 parei
de praticar o esporte por causa de muitas decepções. A minha maior mágoa foi
terem destruído a pista atrás do Pronto-Socorro da Antena. Além disso já tinha outras desilusões de
projetos de BMX que eu queria implantar na região de Taboão/Embu, mas nunca
conseguia apoio para realizar. Parei com tudo”.
Pistas bicicross foram destruídas em Taboão e Embu. Foto: 25.julho.2004 |
Dali se seguiriam oito anos longe das bikes. Em meio a este exílio das pistas, sobreveio uma decisão inteligente:
“Depois
de 13 anos afastado dos estudos, em 2006 determinei que era tempo de retornar à
sala de aula. Concluí
o ensino fundamental pelo EJA (Educação de Jovens e Adultos) na Escola
Municipal Antônio Fenólio. Dali fui cursar o ensino médio, também pelo EJA, mas
na Escola Neusa Demétrio, que conclui em 2009”.
Novos voos
Entre
2009 e 2011 vamos encontrar Emerson Soares pedalando desde o Jardim
Independência, onde morava em Embu das Artes, até o aeroporto de Congonhas, em
São Paulo. As pedaladas agora o levavam ao curso de mecânico de manutenção
aeronáutica na escola de aviação EACON. Concluído o curso em 2011, em janeiro
de 2012 passou na prova da Anac (Agência Nacional da Aviação Civil) e obteve
seu certificado de conhecimento teórico.
Desde
2009 Emerson namorava a moça que veio a ser sua mulher. “Minha esposa tinha um
contato na Alemanha com uma empresa de manutenção de aeronaves. Em fevereiro de
2012 vim conhecer, e não voltei mais ao Brasil”.
Emerson numa das maiores feiras de aviação do mundo, a ILA de Berlim, ao lado do Airbus A380, maior avião de passageiros já construído. |
Iniciou
como “praktikum” na empresa de manutenção aeronáutica onde trabalha até hoje. Começou
como praticante porque o curso que havia feito no Brasil não é
reconhecido na Alemanha. E também porque não tinha visto de trabalho. Um dos
chefes gostou do seu serviço e lhe ofereceu, em 2013, uma vaga como mecânico
ajudante, para fazer um dos cursos mais difíceis do mundo para mecânicos
aeronáuticos. "Os caras são Reine Theoretiker e isso só vim entender aqui. Não posso cuspir no prato que
pouco comi. Mas no Brasil o ensino é o chamado enxuga gelo", conta Emerson.
“Não
acredito que tive de pagar por um curso particular para aprender uma profissão
que não aprendi. Sofri
pacas! Pedalei durante todos os dias do último ano do curso desde Embu das
Artes até o aeroporto de Congonhas. Foram muitos quilômetros e muitos riscos de vida para
concluir aquele tão desejado curso de mecânico de aeronaves. Concluí, sim, mas
será que estaria trabalhando na área no Brasil? A maioria dos meus amigos de
classe da época ou desistiram da profissão, ou nunca arranjaram nada na área,
segundos informações que tive sobre eles”.
Hoje
Emerson está no último ano do curso, estudando sobre materiais compostos para construção aeronáutica. “Os aviões do
futuro já estão sendo feitos agora, mano véio”, diz empolgado. “Estou na terra
do desenvolvimento de materiais”.
Na
Alemanha, mesmo enfiado nos estudos Emerson reencontrou o prazer de voar com
sua bike. “Depois de oito anos de pausa no bicicross, aqui recebi o apoio que
nunca tive para praticar o BMX no Brasil. Esse apoio veio por meio do Christian
Ziegler e do Stefan Marker, donos da loja Alliance BMX. Esses dois são os meus
melhores amigos na Alemanha”.
Duas
vezes por semana Emerson dá aulas de BMX em um centro educacional mantido pela
Prefeitura de Krefeld, cidade onde reside atualmente, na região leste da Alemanha. As aulas de bicicross
também são destinadas a refugiados de guerra.
2 comentários:
Linda historia! Parabens ao Emerson! Vitorioso!!! Bjs . Jussanam
Comentário enviado pelo msg pela médica doutora Déo (Deonice Lucy Lopes):
David..... amei a reportagem do Emerson. Muito boa.
E que menino "fuçado"...
Outro, teria chutado o pau da barraca. Vc valorizou muito, a história dele.... méritos! A vcs dois! A história é sensacional.
Amei!
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