Sofya, 3 anos, não pode brincar na calçada com outras crianças, pois a rua onde mora foi contaminada por materiais tóxicos. Foto: Silmara Filgueiras |
Todas as
noites a família Silva Marques acorda com os gritos de dor da pequena Sofya. Ela
tinha 9 meses de vida quando o lamaçal da mineradora Samarco atingiu o
município de Barra Longa, na Zona da Mata em Minas Gerais. A lamaceira não chegou
diretamente na casa daquela família em novembro de 2015. Mas o transporte que a
prefeitura fez da lama para outros pontos da cidade, e o uso de rejeitos de
minério na fabricação do calçamento da rua onde a criança mora, afetou sua
saúde causando-lhe insuficiência respiratória, alergia crônica de pele e dores nas
pernas.
Nesta
segunda-feira, 12 de março, Sofya e sua mãe Simone Maria estão aqui em São
Paulo, para nova bateria de consultas e exames médicos. O laudo do pediatra e
alergista Antônio Carlos Pires Maciel, de Minas Gerais, atesta que as doenças
da menina são decorrentes da lama que a mineradora deixou escapar.
O mar de
lama com mais de 3 metros de altura ficou encalhado na praça principal de Barra
Longa. Numa decisão insana, a prefeitura e a mineradora transferiram o imenso
lodaçal para o bairro Volta da Capela. Nessa movimentação, a lama que já estava
seca provocou uma nuvem de poeira tóxica sobre todo o centro urbano do
município.
“A Samarco
levou a lama para lugares aonde a tragédia não chegou”, fraseia o poeta e
cronista Sérgio Fabio do Carmo, o Sérgio Papagaio, que também é eletricista de
autos na Prefeitura de Barra Longa. Na década de 1980 ele morou aqui em Taboão
da Serra, no bairro Jardim Myrna.
Transporte criminoso
A avalanche
com rejeitos da Samarco Mineradora viajou 70 km pelo leito do Rio Gualaxo do
Norte até alcançar Barra Longa, na madrugada de 6 de novembro de 2015.
Estagnada na praça central, a carga de 170 mil metros cúbicos de lama contaminada
foi transferida para outro local. O vai-e-vem de caminhões e tratores pelas
ruas não projetadas para tráfego pesado causou rachaduras nas casas.
A
residência de Simone Maria da Silva Marques é hoje uma ameaça viva sobre sua cabeça.
A laje está escorada com toras de madeira. “A Defesa Civil da prefeitura alega
que não tem competência para me dar um laudo sobre a situação de risco da minha
casa”, conta Simone.
Pra
piorar, a Rua Santa Terezinha, onde Simone mora, foi calçada com artefatos fabricados
com a lama da Samarco.
A pequenina
Sofya não pode brincar com coleguinhas na calçada, pois o calçamento está
impregnado pelos rejeitos minerais que causaram sua alergia e problemas
pulmonares.
Simone relata que o orçamento da família é consumido no tratamento da criança. Foto: Guilherme Weimann |
Doenças e despesas
Devido à
grave alergia, a pele de Sofya descama e arde. A criança é submetida a vários
banhos por dia para aliviar as coceiras pelo corpo. Antes da tragédia, a
família gastava em torno de R$ 40 por mês na conta de água. Hoje pagam R$
105,00. O consumo de energia elétrica também explodiu, indo de R$ 80 para cerca
de R$ 400,00.
As
despesas na farmácia são outro calvário para a família de Sofya. A menina vive
à base de corticóides, broncodilatadores e antialérgicos.
A saúde
pública em Barra Longa é deficiente, e Simone tem de levar a filha a médicos
particulares nas cidades vizinhas. Algumas consultas chegam a R$ 250 e R$ 300.
“É muita infelicidade sua”
Numa das
muitas vezes em que Simone Silva foi à multinacional exigir indenização pelas
despesas médicas com criança, colocaram em dúvida o suplício de Sofya. “Você tem provas de que a sua filha
está doente por causa da lama [da Samarco]?”, questionou Maria Albanita Roberta
de Lima, líder dos Programas de Saúde, Proteção Social e Educação da empresa.
Depois de
muita luta a Samarco passou a pagar uma consulta e um medicamento quando há
maior necessidade. Mas Simone garante que isso não ocorre todo mês e que não é
suficiente: "Passamos a ter outros gastos muito maiores, como com a
alimentação, pois ela toma remédios muito fortes e precisa comer melhor".
O marido, José Márcio Marques, 39 anos, trabalhador em fábrica de rações, e o
filho David, 16 anos, também apresentam problemas de saúde após o crime da
mineradora.
Quando Simone
apresentou receitas dos médicos e resultados de exames, a funcionária da
Samarco foi sarcástica: “É muita infelicidade sua que você seja tão atingida”.
Criada na luta: Sofya e sua mãe em manifestação contra os descasos da mineradora Samarco. Foto: Matheus Castro – 06.nov.2016 |
Sangue contaminado
Exame
recente de Sofya, agora com 3 anos, mostra que a criança está com elevada
concentração de níquel no sangue. A referência é entre 0,12 e 2,9 μg/L
(microgramas por litro), mas a menina está com 12,78 μg/L.
As dores
lancinantes que Sofya sente nas pernas são um preocupante sinal. Segundo o
Instituto Saúde e Sustentabilidade, que realizou um diagnóstico da Saúde em
Barra Longa após a tragédia, 24% a 30% da população local se queixa de dores
nas pernas. Estas dores são sintoma comum de intoxicação por minérios.
Apesar da
via-crucis com a filha, Simone Maria venceu um grande desafio. Ela que era auxiliar
de serviços gerais, formou-se em Artes Visuais pela Unifran, e dá aulas em uma
escola municipal.
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