Foto: Rogério Gonzaga |
Existiu mesmo a noivinha que todos os
sábados vem toda contente até o número 130 da Rua Sargento Estanislau Custódio,
no limite de Taboão da Serra com São Paulo. O imóvel hoje propriedade do Teatro
Encena era de um casal que teve seus sonhos engolidos pelas enchentes.
Ironicamente
colado ao Jardim Celeste, o bairro foi um inferno líquido para o marido desenhista
de molduras e a esposa dentista que pensaram um dia poder ser felizes naquele lugar.
A história dessas vidas submersas é o eixo da tragicomédia em cartaz desde o
dia 2 de agosto, sempre com platéia cheia. É necessário fazer reservas. O
espetáculo começa no meio da rua com a cena de um casamento, e termina debaixo
duma tempestade torrencial.
Quando
foi comprar a casa para instalar seu teatro, o ator e diretor Orias Elias fez
igual ao escafandrista da canção de Chico Buarque. Explorou “seus quartos, suas
coisas, sua alma, desvãos”. Nas paredes do imóvel, Orias Elias pôde “ler” a
evolução da degradação do matrimônio. Aponta bem acima da cabeça. “Ali havia
marcas da altura das águas. Coisas que a enchente atacou e que o proprietário
desistiu de recuperar. Coisas que ele sequer lavou”. Nas sobras de tudo que um
dia chamaram de um lar, o artista encontrou vestígios da felicidade extinta.
“Quando
eu vim pra cá, descobri velhas fotos de um tempo em que eles eram felizes.
Pequenas coisas dessa relação. De um tempo em que existia o amor, a harmonia. Que
existia o sonho. Esse casal vivia dentro de uma felicidade. Até que as
enchentes vieram e destruíram toda a base de vida deles”, conta Orias.
Em meio
ao seu relato, o ator e diretor teatral desenha no ar os lugares onde havia
divisões dos cômodos da residência e do ambiente de trabalho do casal. “Ali em
cima ficavam os motores da cadeira odontológica. Lá atrás o marido desenhava e
fabricava suas próprias molduras para quadros”.
Impelido
pelas lembranças, Orias Elias se levanta do sofá. A mulher não suportou ter sua
vida encharcada pelas imundícies que a enchente arrastava para dentro da casa. “Ela
abandonou tudo. E ele ficou aqui no meio dessa desolação, numa total solidão. A
mulher criou um outro mundo para ela. Comprou um apartamentinho, montou outro
consultório. Lá longe. No alto do morro do bairro Monte Kemel. Ele não reagiu. Ela
subiu; ele ficou aqui enfiado no buraco. A vida dele entrou num processo de
decadência”.
A casa
desolada virou até ponto de venda de drogas, prossegue Orias. “Quando fomos
assinar a escritura do imóvel, eles ainda tinham a comunhão de bens. Na época
da venda da casa ela já era uma senhora, uma matrona. E ele um homem muito decadente.
E eu vi o confronto entre os dois. Era uma tristeza no olhar dela, quando ela
chegou e perguntou: ‘Como é que você
está, Genésio?’ Ele também olhou pra ela com uma tristeza... Eu percebi naquele momento o fim daquele
sonho que um dia eles tiveram juntos. E isto foi destruído”.
Enquanto
desfia a desventura do casal diluído pelas inundações, Orias Elias segura uma
caneca. Mas não bebe. Isto me lembrou uns versos do poeta Miró: “Sangra a
periferia bem de manhãzinha. E o café esfria de tanta dor”.
Serviço:
“Pirou, Jussara? Pendurar a
vovó no banheiro?”,
de Gilberto Amêndola. Direção: Orias
Elias e Walter Lins. Com: Cadu
Camargo, Claudio Bovo, Fernanda Garcia, Flávia D'Álima, Jacintho Camarotto,
Orias Elias, Sabinna Di Colluccy, Thânia Rocha, Walter Lins e Zú Vieira
Aos sábados, às 20h30
Aos sábados, às 20h30
Classificação:
Livre
Duração:
80 minutos
TEATRO
ENCENA
Rua
Sargento Estanislau Custódio, 130
Fone:
2867-4746
Reserve seu lugar: encena@encena.art.br
Equipe Técnica - Percussão: Jeff Mendes; Operador de Luz, Som e projetor: Vagner
Pereira; Iluminação: César Pivetti
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