sexta-feira, 11 de abril de 2008

Noel, a operária e o apito da fábrica

Imprescindível, extremamente necessário reafirmar que, os fatos da vida de Noel Rosa até aqui relatados, são extraídos do livro de Almirante. Comprei No Tempo de Noel Rosa no dia 27 de fevereiro de 2004, em uma banca de jogo do bicho aqui em Taboão da Serra. Espalhados no assoalho da banquinha, livros usados, e entre eles a jóia rara que comprei por R$ 3,00. Só num país com povinho bunda, a história da maior glória da música popular pode ser comprada por menos que uma cerveja e um rabo-de-galo...
Vamos ao caso do samba Três Apitos e sua musa inspiradora.
Em 1930, Noel namorava já há 4 anos Clara, professorinha do Externato Santa Rita de Cássia, de propriedade da mãe do compositor. Só que, ao sair da casa da moça na Rua Barão do Bom Retiro, Noel se mandava para os braços de outra namoradinha moradora da antiga Rua Mojú, hoje Rua Sebastião de Paula. Ao descobrir a pulada de cerca, a professorinha deletou Noel de sua vida.
A garota da Rua Mojú chamava-se Josefina, de 15 anos e órfã de mãe; era criada pela avó. Sobre seus amores volúveis, Noel (num porre homérico, segundo a moça) chegou a brincar no primeiro samba feito para Josefina: “Em cada morro que passo / Um novo amor eu conheço / Cada paixão que eu esqueço / É mais um samba que faço...” (Seu Riso de Criança, gravado em 1935 por Araci de Almeida).
Noel passava muitas noitadas na casa da namorada. Também a levava para longos passeios madrugada adentro por Copacabana e Barra da Tijuca, sempre conduzido por seus taxistas preferidos, Valuche e Alegria.
Um ano depois que Noel e Josefina namoravam, a situação apertou, e a moça teve de ir trabalhar. Por vergonha da fábrica de botões onde trabalhava (Hachiya Ind. e Com.), Josefina fez com que Noel a imaginasse operária de uma fábrica de tecidos. Na verdade, a tecelã era a irmã de Josefina.
A garota exercia certo poder sobre Noel. Diferente de Clara, que suportou ao máximo a traição do Poeta, Josefina enciumava bravo, armava barraco, ameaçava quebrar o violão na cabeça de Noel – que certamente achava o máximo tais arroubos.
Josefina fazia de tudo para Noel não descobrir onde ela trabalhava. Mas para seu azar, Noel comprou um automóvel Chandler, preto, a que chamava de Viramundo. O carro foi comprado da agência de veículos do cantor Francisco Alves. E Noel pagava as prestações com... sambas!!!
Com seu carrinho preto Noel seguia a namorada, para descobrir seu local de trabalho. E isso às 5h da madrugada, quando a garota ia trabalhar em trajes simples, sem agasalho, nem meias nos pés. Por fim, o segredo foi desfeito, mas as rimas do samba (tecido/ouvido, pano/piano) já estavam bem costuradas no peito do boêmio incorrigível.
Quando o apito
Da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro de você
Mas você anda,
Sem dúvida bem zangada
Ou está interessada
Em fingir que não me vê

Você que atende ao apito
De uma chaminé de barro
Por quê não atende ao grito
Tão aflito
Da buzina do meu carro?

Sou do sereno
Poeta muito soturno
Vou virar guarda noturno
E você sabe por quê
Mas só não sabe
Que enquanto você faz pano
Faço junto do piano
Estes versos pra você

Você no inverno
Sem meias vai pro trabalho
Não faz fé com agasalho
Nem no frio você crê
Você é mesmo
Artigo que não se imita
Quando a fábrica apita
Faz reclame de você

Certo dia Josefina (à direita, em foto de 1930) contou a Noel que o chefe de seção Jerônimo Feliciano da Encarnação, vivia assediando-a com propostas de todo o tipo, até com casamento e dinheiro. Sem coragem física pra enfrentar o don-juan fabril, o Poeta da Vila sacou de sua caneta, e alfinetou mais uns versos novos no seu samba:
Nos meus olhos você vê
Como eu sofro cruelmente
Com ciúmes do gerente
Impertinente
Que dá ordens pra você...

Três Apitos foi gravado pela primeira vez por Orlando Silva, em 1936, mas com versos a menos. Em 1951 Araci fez sua gravação definitiva.
Leio por aí que, em 1984, Josefina foi localizada por uma emissora de TV. Se você souber como e onde encontrar este material, divida conosco aqui no balcão.

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