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David da Silva
Parece
ficção, mas está mais perto do que você pensa.
Mini
máquinas de tamanhos imperceptíveis a olho nu viajam pelo interior do corpo
humano transportando medicamentos, e aplicam o remédio diretamente na célula
doente. Pequeninos robôs, seis vezes menores que um glóbulo vermelho, realizam
manobras complexas e ‘consertam’ o que está ‘quebrado’ dentro da pessoa.
Esta
possibilidade referida pela primeira vez pelo cientista Kim Eric Drexler em
1981, é o tema da nova história em quadrinhos de Gau Effe, que criou o enredo,
fez a colorização e assina o roteiro, com desenhos de Daniel Oliveira.
Trecho de NanoStein, que traz a
nanomedicina para o universo das histórias em quadrinhos
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Eric
Drexler tem a primazia de referir engenharia molecular no extremo do invisível
aplicada à medicina, mas cabe a Richard Feynman a glória de ter falado pela
primeira vez em nanotecnologia em dezembro de 1959.
O
termo nanotecnologia vem do grego nánnos,
que significa anão. Pra te dar uma ideia de o quanto é diminuta a proporção à
qual estou me referindo, um nanómetro é cerca de 1000 vezes menor que a
espessura de um fio de cabelo humano. A este nível, consegue-se manipular
moléculas, átomos e elétrons.
E
é isto o que o personagem cientista Álvaro Mendes de Souza faz no corpo do seu
filho Ícaro na HQ inédita que Gau Effe batizou de NanoStein, uma trama bem sacada que faz grandes feitos científicos
entrarem em conflito com intriga internacional, fanatismo religioso, organizações
criminosas, mitologia grega, política e cabala.
Quando
você pegar NanoStein para ler, esteja (ou pelo menos imagine-se) em boa forma
física. A história não te dá trégua do primeiro ao último quadrinho.
Tributos explícitos e
sutis
Quem
bolou o primeiro filme de ficção-científica onde máquinas quase invisíveis de
tão pequenas realizam cirurgias dentro do corpo humano foi Otto Klement, que
assinou com Jerome Bixby o roteiro de Fantastic
Voyage lançado em 1966.
Muitas
pessoas atribuem erroneamente Viagem
Fantástica a Isaac Asimov. Mas o livro dele foi apenas uma peça promocional
escrita por encomenda da produção do filme.
Gau
Effe deu à sua nova HQ o título NanoStein
pela simbiose da alta tecnologia em escala liliputiana com o clássico Frankenstein, de Mary Shelley, publicado
em 1817 e considerado a primeira obra de ficção-científica na literatura
universal.
Se
na história criada por Mary Shelley o doutor Victor Frankenstein tem como
objetivo narcisista a sua consagração como cientista, o personagem idealizado
por Gau Effe é movido pelo amor. Frustrado por não conseguir salvar a vida da
esposa, o doutor Álvaro Mendes de Souza busca na nanomedicina a cura do filho.
O
fascínio por Feynman fica patente quando conversamos com Gau Effe.
Quando
o entrevistei em sua casa no bairro Parque Albina, em Taboão da Serra, não
falamos de Feynman nada além da sua vida em laboratório. Mas este homem incomum
no mundo da Ciência também teve uma vida privada bastante peculiar. Richard
Feynman integrou a equipe do Projeto Manhattan, que criou a bomba atômica
lançada sobre Hiroshima e Nagasaki na 2ª Guerra Mundial. No início dos anos 50
deu aulas no Brasil, e desfilava no bloco carnavalesco “Os Farsantes de
Copacabana”. Gostava de fazer batucada na frigideira e de tocar cuíca (diz a
lenda que a cuíca causou seu divórcio com a primeira esposa). Mulherengo, todas
as noites o doutor Feynman se embrenhava pelos botecos onde garotas faziam
strip-tease. Mas durante o dia o renomado cientista não se envolvia com
prostitutas. Dedicava-se a assediar as esposas dos seus alunos.
Trecho da HQ inédita NanoStein com roteiro de Gau Effe e desenho de Daniel Oliveira
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Peripécias de um desenhador
Modesto
como todo bom artista, Gau Effe é instrutor de artes visuais, professor de
histórias em quadrinhos, ilustrador, cenógrafo, quadrinhista e caricaturista.
Mas na hora de dizer qual a profissão, suaviza o traço: “Sou um desenhador”,
diz e enfatiza que qualquer pessoa pode aprender a desenhar.
Eis
aqui outro traço de união entre Feynman e Gau Effe – Feynman também gostava de
desenhar. Dizia o Nobel da Física: “Eu queria muito aprender a desenhar por uma
razão que guardava para mim mesmo. Queria transmitir a emoção que sinto diante
da beleza do mundo. É um sentimento de espanto, de admiração científica, que eu
senti que poderia ser comunicado através de um desenho para alguém que também
sentisse essa emoção”, declarou o cientista. Feynman assinava suas obras de
arte sob o pseudônimo de Ofey.
Por
sua vida venturosa, o doutor Richard Feynman teve sua biografia transformada em
história em quadrinhos com roteiro de Jim Ottaviani e desenhos de Leland
Myrick. Até onde sei, este livro ainda não foi traduzido para o português.
Voltemos
a Gau Effe.
Nascido
na capital da Bahia, filho de uma sergipana, aos 3 anos foi morar com a mãe no
Rio de Janeiro, depois veio para São Paulo onde se formou. No RG ele é Carlos
Alberto Ferreira. Dá aulas de HQ desde 1984. O apelido Gau é coisa do tempo da
adolescência.
Foto: David da Silva |
As
HQs entraram na vida de Gau Effe ainda na sua fase do Rio. “Lembro do Flecha Ligeira, do Kid Colt, do Zorro. Na
época a gente chamava essas revistas de gibis”.
Heróis
com superpoderes chegaram aos olhos de Gau Effe por volta de 1964-65 na tela da
TV de um boteco carioca, onde pela primeira vez viu Nacional Kid.
Aos
22 anos de idade Gau Effe entrou no Iadê - Instituto de Arte e Decoração, onde
o desenho ganhou a queda-de-braço com o teatro. Gau fez parte do Grupo de
Teatro Vivará, fundado em 1978 por alunos do Iadê. Vem daí sua vertente de
compositor de músicas teatrais e cenógrafo.
Trecho da história em quadrinhos inédita de Gau
Effe, que mescla medicina de ponta com grandes intrigas internacionais
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O
entrosamento definitivo com o lápis veio do convívio intensificado com artistas
paulistanos do traço. “Naquela ocasião descobri a revista Heavy Metal, que me
levou à original Metal Hurlant, revista francesa de gênios como Moebius, Enki
Bilal, Druillet, Rich Corben, Sergio Macedo, entre outros, que fizeram minha
cabeça e me instigou a desenhar quadrinhos”, relata.
Gau
Effe fez oficinas de HQs na extinta Associação de Artistas Gráficos e
Fotógrafos de São Paulo (Agraf), e cursou Caricatura e Animação na FAAP com
Rodolfo Cittadino em 1980-81.
Quando
decidiu publicar seus quadrinhos, já ministrava oficinas no SESC e estava
enturmado com profissionais consagrados como JAL, Gualberto, Franco, Worney,
Laerte.
4 comentários:
David, eternamente grato! Adorei a matéria! Merecias um beijo na boca - pedirei à sua patroa tal feito, rsrs! Gracias!
Da-le Gau,
Excelente profissional.
Sensacional! Parabens Gau voce merece!!!
Parabéns Gau!!!!
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