quinta-feira, 14 de março de 2019

Nova HQ de Gau Effe tem medicina high tech, cabala e aventura

Gau Effe dá aulas na Prefeitura de Taboão da Serra. É instrutor de artes visuais, professor de histórias em quadrinhos, ilustrador, cenógrafo, quadrinhista e caricaturista. Foto: David da Silva 


David da Silva
                              
Parece ficção, mas está mais perto do que você pensa.
Mini máquinas de tamanhos imperceptíveis a olho nu viajam pelo interior do corpo humano transportando medicamentos, e aplicam o remédio diretamente na célula doente. Pequeninos robôs, seis vezes menores que um glóbulo vermelho, realizam manobras complexas e ‘consertam’ o que está ‘quebrado’ dentro da pessoa.
Esta possibilidade referida pela primeira vez pelo cientista Kim Eric Drexler em 1981, é o tema da nova história em quadrinhos de Gau Effe, que criou o enredo, fez a colorização e assina o roteiro, com desenhos de Daniel Oliveira.
Trecho de NanoStein, que traz a nanomedicina para o universo das histórias em quadrinhos
Eric Drexler tem a primazia de referir engenharia molecular no extremo do invisível aplicada à medicina, mas cabe a Richard Feynman a glória de ter falado pela primeira vez em nanotecnologia em dezembro de 1959.
O termo nanotecnologia vem do grego nánnos, que significa anão. Pra te dar uma ideia de o quanto é diminuta a proporção à qual estou me referindo, um nanómetro é cerca de 1000 vezes menor que a espessura de um fio de cabelo humano. A este nível, consegue-se manipular moléculas, átomos e elétrons.
E é isto o que o personagem cientista Álvaro Mendes de Souza faz no corpo do seu filho Ícaro na HQ inédita que Gau Effe batizou de NanoStein, uma trama bem sacada que faz grandes feitos científicos entrarem em conflito com intriga internacional, fanatismo religioso, organizações criminosas, mitologia grega, política e cabala.
Quando você pegar NanoStein para ler, esteja (ou pelo menos imagine-se) em boa forma física. A história não te dá trégua do primeiro ao último quadrinho.

Tributos explícitos e sutis

Quem bolou o primeiro filme de ficção-científica onde máquinas quase invisíveis de tão pequenas realizam cirurgias dentro do corpo humano foi Otto Klement, que assinou com Jerome Bixby o roteiro de Fantastic Voyage lançado em 1966.
Muitas pessoas atribuem erroneamente Viagem Fantástica a Isaac Asimov. Mas o livro dele foi apenas uma peça promocional escrita por encomenda da produção do filme.
Gau Effe deu à sua nova HQ o título NanoStein pela simbiose da alta tecnologia em escala liliputiana com o clássico Frankenstein, de Mary Shelley, publicado em 1817 e considerado a primeira obra de ficção-científica na literatura universal.
Se na história criada por Mary Shelley o doutor Victor Frankenstein tem como objetivo narcisista a sua consagração como cientista, o personagem idealizado por Gau Effe é movido pelo amor. Frustrado por não conseguir salvar a vida da esposa, o doutor Álvaro Mendes de Souza busca na nanomedicina a cura do filho.
O desafio das novas tecnologias aplicadas à medicina é um elemento de tensão no enredo de NanoStein
O fascínio por Feynman fica patente quando conversamos com Gau Effe.
Quando o entrevistei em sua casa no bairro Parque Albina, em Taboão da Serra, não falamos de Feynman nada além da sua vida em laboratório. Mas este homem incomum no mundo da Ciência também teve uma vida privada bastante peculiar. Richard Feynman integrou a equipe do Projeto Manhattan, que criou a bomba atômica lançada sobre Hiroshima e Nagasaki na 2ª Guerra Mundial. No início dos anos 50 deu aulas no Brasil, e desfilava no bloco carnavalesco “Os Farsantes de Copacabana”. Gostava de fazer batucada na frigideira e de tocar cuíca (diz a lenda que a cuíca causou seu divórcio com a primeira esposa). Mulherengo, todas as noites o doutor Feynman se embrenhava pelos botecos onde garotas faziam strip-tease. Mas durante o dia o renomado cientista não se envolvia com prostitutas. Dedicava-se a assediar as esposas dos seus alunos.
Trecho da HQ inédita NanoStein com roteiro de Gau Effe e desenho de Daniel Oliveira



Peripécias de um desenhador

Modesto como todo bom artista, Gau Effe é instrutor de artes visuais, professor de histórias em quadrinhos, ilustrador, cenógrafo, quadrinhista e caricaturista. Mas na hora de dizer qual a profissão, suaviza o traço: “Sou um desenhador”, diz e enfatiza que qualquer pessoa pode aprender a desenhar.
Eis aqui outro traço de união entre Feynman e Gau Effe – Feynman também gostava de desenhar. Dizia o Nobel da Física: “Eu queria muito aprender a desenhar por uma razão que guardava para mim mesmo. Queria transmitir a emoção que sinto diante da beleza do mundo. É um sentimento de espanto, de admiração científica, que eu senti que poderia ser comunicado através de um desenho para alguém que também sentisse essa emoção”, declarou o cientista. Feynman assinava suas obras de arte sob o pseudônimo de Ofey.
Por sua vida venturosa, o doutor Richard Feynman teve sua biografia transformada em história em quadrinhos com roteiro de Jim Ottaviani e desenhos de Leland Myrick. Até onde sei, este livro ainda não foi traduzido para o português.

Voltemos a Gau Effe.
Foto: David da Silva
Nascido na capital da Bahia, filho de uma sergipana, aos 3 anos foi morar com a mãe no Rio de Janeiro, depois veio para São Paulo onde se formou. No RG ele é Carlos Alberto Ferreira. Dá aulas de HQ desde 1984. O apelido Gau é coisa do tempo da adolescência.
As HQs entraram na vida de Gau Effe ainda na sua fase do Rio. “Lembro do Flecha Ligeira, do Kid Colt, do Zorro. Na época a gente chamava essas revistas de gibis”.
Heróis com superpoderes chegaram aos olhos de Gau Effe por volta de 1964-65 na tela da TV de um boteco carioca, onde pela primeira vez viu Nacional Kid.
Trecho da história em quadrinhos inédita de Gau Effe, que mescla medicina de ponta com grandes intrigas internacionais
Aos 22 anos de idade Gau Effe entrou no Iadê - Instituto de Arte e Decoração, onde o desenho ganhou a queda-de-braço com o teatro. Gau fez parte do Grupo de Teatro Vivará, fundado em 1978 por alunos do Iadê. Vem daí sua vertente de compositor de músicas teatrais e cenógrafo.
O entrosamento definitivo com o lápis veio do convívio intensificado com artistas paulistanos do traço. “Naquela ocasião descobri a revista Heavy Metal, que me levou à original Metal Hurlant, revista francesa de gênios como Moebius, Enki Bilal, Druillet, Rich Corben, Sergio Macedo, entre outros, que fizeram minha cabeça e me instigou a desenhar quadrinhos”, relata.
Gau Effe fez oficinas de HQs na extinta Associação de Artistas Gráficos e Fotógrafos de São Paulo (Agraf), e cursou Caricatura e Animação na FAAP com Rodolfo Cittadino em 1980-81.
Quando decidiu publicar seus quadrinhos, já ministrava oficinas no SESC e estava enturmado com profissionais consagrados como JAL, Gualberto, Franco, Worney, Laerte.
Desde janeiro de 2009 Gau Effe é professor de Desenho e HQ na Prefeitura de Taboão da Serra.
NanoStein será lançado com 68 páginas. Quem der apoio cultural ao projeto terá o nome impresso no livro

4 comentários:

Gau Effe disse...

David, eternamente grato! Adorei a matéria! Merecias um beijo na boca - pedirei à sua patroa tal feito, rsrs! Gracias!

Unknown disse...

Da-le Gau,
Excelente profissional.

Unknown disse...

Sensacional! Parabens Gau voce merece!!!

Unknown disse...

Parabéns Gau!!!!