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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A maior biblioteca do mundo, no coração da Bahia

São José do Paiaiá tem apenas duas ruas
Povoado de São José do Paiaiá tem o maior número de livros por habitante em ambiente rural do planeta

O caminhoneiro abriu a porta da carroceria-baú entupida de livros, e a velha fofoqueira arregalou os olhos. Dias antes o Jornal Nacional dera que grande carga de livros raros havia sido roubada da Biblioteca do Itamaraty, no centro da cidade do Rio de Janeiro.
- É ele! É o ladrão! – alvoroçou-se a mulher, convicta de que os bandidos tinham escolhido como esconderijo aqueles confins que levam ao sertão da Bahia.
Só a chegada da polícia acalmou a vizinhança alarmada com a descarga daqueles 12 mil volumes na garagem de uma casa recém-alugada em São José do Paiaiá, vilarejo do município de Nova Soure, a 236 km ao norte de Salvador (BA).
Era a segunda remessa de livros que Geraldo Moreira Prado mandava para sua cidade natal.
Paiaiá tem apenas cerca de 500 moradores.

O primeiro lote de livros (10 mil volumes) havia sido enviado cerca de um ano antes, assim que Geraldo se descasou, em 2002. Sem a mulher e com 30 mil livros espalhados pela casa, ele primeiro tentou vender a coleção. O preço que os sebos ofereceram foi aviltante. Pensou doar as obras para alguma faculdade, mas a coisa também não deu certo. Daí lhe veio à mente o lugarejo de onde Geraldo havia saído com 21 anos ganhar a vida em São Paulo. Até aquela idade, ele havia lido um único livro – Na Sombra do Arco-Íris, de Malba Tahan.
Geraldo Prado
- É pra lá que minha biblioteca vai. Para Paiaiá – exultou Geraldo, que na ocasião já era professor universitário de História, no Rio de Janeiro. Em São Paulo havia deixado uma juventude de fome, de dormir em casa das máquinas de elevador, até ingressar no curso de chinês da USP.
Na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, já que não tinha vocação nenhuma para o idioma mandarim, ele se especializou em fabricar coquetéis molotov. Devido a esta “habilidade acadêmica”, puxou cadeia umas quatro vezes. Entre uma prisão e outra, derivou para o curso de História.
Estas passagens da sua vida pessoal ainda não estão contadas em nenhum dos 100 mil volumes da Biblioteca Comunitária que Geraldo mantém em São José do Paiaiá. São fragmentos esparsos de uma biografia que construiu o maior acervo em ambiente rural da Terra – 200 livros por habitante. A média no Brasil não chega a cinco livros por pessoa.

Vista parcial de S. José do Paiaiá
Depois da polícia, o padre
A intriga da vizinha cagueta não foi o único tormento de Geraldo na montagem da maior biblioteca rural do mundo. Ao saber que sua coleção continha obras excitantes como Dona Flor e seus Dois Maridos, de Jorge Amado, o padre se inflamou dentro da batina e passou a alvejar as estantes de Geraldo em seus sermões. Depois a língua do padre cansou, e as estantes se tornaram (e ainda se tornam) cada dia mais enriquecidas de livros.
Cercada por outros vilarejos de nomes exóticos como Cajueirinho, Carrapatinho, Pau de Colher, Cabeleiro e Melancia, a Biblioteca Comunitária de Paiaiá recebe os pobres de todo o seu entorno. A repetência escolar desabou.
Apesar do lugar de excelência cultural que ocupa na sua região, a comunidade de Paiaiá vive enleada na miséria econômica e no analfabetismo.
De cada dez moradores de Paiaiá, três não sabem ler. As famílias se viram como podem com a renda mensal em torno de R$ 200,00.
Nas duas únicas ruas do povoado, a divisão social e econômica preconizada por Karl Marx. “Na rua de cima mora a elite, composta por quatro famílias. Na de baixo, os pobres”, conta Geraldo Moreira Prado, hoje com 71 anos, e já aposentado como historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nada mal para quem aprendeu a ler só aos 10 anos, tendo como cartilha livretos de cordel.
Quem cuida da biblioteca é seu sobrinho José Arivaldo Prado, que deixou a profissão de padeiro, cursou Letras, e hoje escreve poesias. “Mas só poemas sobre gatos”, adverte.

COMO CHEGAR:
Clique para ampliar
De carro – Em Salvador, seguir pela BR-110 para Nova Soure – 246 km de distância; tempo médio: 3 horas.
De ônibus – De Salvador para Nova Soure, viação Regional - ver site. Partidas das 04h40 às 18h50. Descer no Povoado São José do Paiaiá. Distância: 236 km. Tempo médio: 4 h e meia a 5 h e 20 min.
A biblioteca tem alojamento para quatro pessoas. Diária: R$ 20,00/pessoa. Lanches à parte.
Quem quiser se alojar em Nova Soure, tem mais opções. É só falar com José Arivaldo que ele leva por R$ 2,00/pessoa.

Reservas: 75-3437-7013 e 75-9975-3903
Visite site oficial e blog
Perfil no facebook
Cartas:
ASSOCIAÇÃO BIBLIOTECA COMUNITÁRIA Mª DAS NEVES PRADO
Povoado São José do Paiaiá, S/nº.
Nova Soure – BA – CEP: 48460-000
Veja outras localidades da nossa série O Brasil Com Vergonha na Cara. São locais aparentemente improváveis onde se encontram iniciativas que transformarão a Nação, quando nosso País deixar de ter apenas tamanho e safadezas.  
Publicado em 14.mar.2009 – Escultor faz seu ateliê em barrancos de rodovia no interior de São Paulo - aqui
Publicado em 25.mar.2008 - Coral Infantil realiza obra social em cidade fundada por meretrizes em Minas Gerais - aqui
Publicado em 14.fev.2008 – Jazz e Blues sobem a Serra do Baturité, no topo do Ceará - aqui

sábado, 14 de março de 2009

Os barrancos da estrada são seu estúdio

Cansado de bater boca com quem joga porcarias na estrada perto de sua casa, Cláudio Roberto de Araújo (à direita), 44 anos, armou-se com ferramentas, e montou uma trincheira no barranco da rodovia.
“Tentei na conversa impedir que não jogassem lixo, entulho e até bicho morto aqui, e chegaram a me enfrentar perguntando se sou o dono da pista”, reclama o morador do Jardim Prudentino, bairro novo instalado à margem da Rodovia Julio Budiski (SP-501) em Presidente Prudente, a 600 km a oeste da Capital de São Paulo.
Como o diálogo com os poluidores não resolveu, Cláudio pegou um martelo e uma talhadeira e foi pra beira da estrada. Passou a fazer caricaturas humanas e esboços de animais com até três metros de altura nos barrancos da rodovia. Sua trincheira contra a imundície é a Arte. “Quem sabe vendo isto aqui tudo bonito, as pessoas param de sujar a estrada”, prega o artista.

Cláudio Roberto quer aprender noções de geologia para escolher os barrancos adequados para esculpir.
O artesão nunca teve carteira assinada. “Sou pedreiro, funileiro, o que aparecer eu encaro”, diz o artista que faz "bicos" para sustentar a mulher e tres filhos.
Ele aprendeu artesanato aos 12 anos com seus avós, esculpindo em madeiras e pedras. “Eu até fazia uns artesanatos pequenos em casa mesmo, mas não me rendia muito dinheiro. Agora com o trabalho exposto no barranco, quem sabe alguém possa valorizar e me dar uma oportunidade”, afirmou ao repórter Cícero Affonso, que também fez as fotos para o portal Terra.
Os funcionários do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) gostaram da iniciativa do artista, e ajudam a cuidar dos lugares esculpidos.
Hoje grande número de pessoas pára seus carros para apreciar a arte no barranco.O artesão demora, em média, três dias para concluir cada painel.

terça-feira, 25 de março de 2008

Cidade criada por putas ganha presente de crianças

No miolo do Vale do Jequitinhonha, a quase 700 km de Belo Horizonte (MG), a cidade de Araçuaí ganhou no último dia 27 de fevereiro o seu primeiro cinema. A sala de projeção, assim como o primeiro projetor de filmes 35 mm de todo o Jequitinhonha, não foi bondade de político. Nem filantropia de burguês. Veio do trabalho, ou melhor, das gargantas do Coral Meninos de Araçuaí. As crianças doaram todo o dinheiro que ganharam com a venda de seus shows e de um CD, para a montagem do cine-teatro que leva o nome do grupo.
Essa molecada já havia demonstrado um absoluto amor ao próximo, em 2003. Na época, o coral recebeu a doação de mais de 100 toneladas de alimentos. Montaram o Empório Solidário, que funcionou como um supermercado onde se abasteceram os quase 40 mil moradores do lugar. Durante dois anos, 180 famílias paupérrimas comeram dalí.
A cidadania que brota das ações destas crianças, é fruto do trabalho do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, uma organização não governamental de Araçuaí. Este organismo atua na formação social das crianças por meio da música, literatura, teatro e artes plásticas.

... e as putas chegaram!

Lembra do seriado E as Noivas Chegaram!, que assistíamos na década de 1970? Logicamente eu era apaixonado pela doce Candy Pruitt, interpretada por Bridget Hanley (à direita). Até porque a atriz nasceu mesmo em Seattle, a própria cidade onde a história fictícia se desenrolava em 1870. Reminiscências à parte, sigamos.
Araçuaí foi elevada à condição de cidade em 1871 – mesma época da ambientação do filme citado! Explico, agora, a paráfrase do sub-título.
Por volta de 1830/1840, o padre Carlos Pereira de Moura criou a Aldeia do Pontal, no encontro do Rio Araçuaí com o Jequitinhonha. O lugarejo era um forte porto de canoas que abasteciam aqueles Sertões de mercadorias vindas da Bahia. E... onde há canoeiros... tem butecos, muita cachaça, muita farra e... mulher!!! Padre Carlos enfureceu-se com as meretrizes e expulsou-as da aldeia. Desorientadas, as putas perambularam pelas margens do Rio Araçuaí acima. Passando pela Fazenda Boa Vista, encontraram abrigo no coração da proprietária Luciana Teixeira. Na verdade, dona Luciana não botou as vadias pra dentro só por piedade. Ela queria mesmo lotear aquelas terras. E as meninas de vida-nada-fácil poderiam ser o chamariz que a fazendeira precisava.
Não deu outra. Os canoeiros farejaram o rumo das raparigas. Deixaram o padre sozinho lá com o seu porto, e passaram a ancorar suas embarcações nas barras das saias daquelas santas mundanas. Assim nasceu Araçuaí (em tupi, rio da arara grande).
O Coral Meninos de Araçuaí já deu concertos por todo o Brasil, e conquistou o público no Thèátre dês Champs-Elysées em 2005, quando lançou seu DVD com participação especial de Milton Nascimento. 
Crianças ensaiam o novo espetáculo Pra Nhá Terra - Foto: Rodrigo Dai

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Vou-me embora pra Guaramiranga

Olhando a agenda cultural de milhares de cidades brasileiras (a minha inclusa) sinto inveja do povo de Guaramiranga, e parafraseio Manuel Bandeira que anelava por Pasárgada.
Guaramiranga é uma cidade serrana no centro-norte do Ceará, incrustada no Maciço de Baturité, a 865 metros acima do nível do mar. Fica a 123km de Fortaleza, e tem apenas 5.800 habitantes.
Aqueles sertanejos são abençoados pelo 
Festival de Jazz e Blues que ali acontece há oito anos, em fevereiro – justamente o mês de aniversário de minha cidade assolada pelo lixo expelido pelas gravadoras.
Diferente dos taboanenses brindados com música de prostíbulo, os nordestinos de Guaramiranga já foram visitados por João Donato, Hermeto Paschoal, Egberto Gismonti, Paulo Jobim, Márcio Montarroyos, Manassés, Ivan Lins, Nana Vasconcelos, e os internacionais Scott Henderson e Stanley Jordan.
Estes gênios da música se apresentam no teatro da cidade, e também a céu aberto nas escadarias da Igreja Matriz.
Neste ano, houve a participação do bandolinista Hamilton de Holanda, o gaitista de blues Jean-Jacques Milteau, o grupo Les Frères Guissé, do Senegal, e a lendária Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto.
Ah!... Quando os músicos guardam seus instrumentos e vão embora, os responsáveis pela Cultura em Guaramiranga promovem outros festivais: Arte em Flor (em agosto), o Nordestino de Teatro Amador (em setembro), e o de Gastronomia (também em setembro).

Quando for ao nordeste brasileiro em fevereiro, "vá-se embora pra Guaramiranga".
Veja a história do festival e a programação aqui

Roupas secam nas escadarias da Igreja Matriz de Guaramiranga, palco do Festival de Jazz & Blues. - Foto: Rodrigo Arnaud